domingo, 26 de setembro de 2010

Crítica de filme: A Woman, A Gun and a Noodle Shop (Festival do Rio 2010 - Parte 3)

Quem não assistiu Blood Simple, o primeiro filme dirigido pelos irmãos Coen, de 1985, deve ler essa crítica com cuidado pois alguns SPOILERS leves são inevitáveis. Aliás, quem não viu Blood Simple deveria parar de ler essa crítica e alugar o filme imediatamente pois é uma obra muito bacana.

Zhang Yimou tem um currículo invejável. Dirigiu o fantástico Lanternas Vermelhas e, a partir daí, apesar de não ter alcançado o mesmo patamar dessa obra (que não foi a primeira, vale ressaltar), nos trouxe os ótimos Hero, O Clã das Adagas Voadoras e A Maldição da Flor Dourada. Em dezembro de 2009, ele lançou, na China, A Woman, A Gun and a Noodle Shop, também conhecido apenas como A Simple Noodle Story, título que o coloca ainda mais próximo da obra que o inspirou, Blood Simple (Gosto de Sangue) dos irmãos Coen.

Na verdade, "inspiração" não é a palavra certa. "A Woman" é a refilmagem de Blood Simple, com a troca do país e da época em que o filme se passa. Agora, no lugar do Texas na década de 80, temos a China lá pelo século XIX. No lugar do bar de Blood Simple, temos a tal Noodle Shop do título. Fora isso, a trama é igual, com o mesmo desenrolar, quase que passo a passo.

A intensidade do filme dos irmãos Coen vem dos dilemas morais dos personagens, já que o filme, assim como o de Yimou, conta a estória de um rico dono de bar/loja de macarrão que contrata um detetive/policial para matar a esposa e seu amante. O que os irmãos Coen criam é uma comédia de humor negro extremamente envolvente, com um brilhante final que, logo no início da projeção do filme chinês, fiquei imaginando como Yimou faria.

Yimou, por sua vez, deixa de carregar no drama e nas questões morais e cai mais para um lado de pastiche, com dois personagens (o amante e um cozinheiro dentuço) servindo de Didi Mocó e Déde Santana. Acho que até é possível dizer que "A Woman" é uma sátira de Blood Simple, com atuações histriônicas desses dois personagens em contraposição a uma interpretação séria mas caricata do policial contratado para cometer os assassinatos. 

Tenho para mim que Zhang Yimou errou na proporção sátira x drama, caminhando perigosamente para o pastelão total. É bem verdade que as marcas registradas dos Coen em Blood Simple estão lá: a meticulosidade absurda do policial, a limpeza do sangue no escritório e a situação surpresa com o corpo. No entanto, Yimou talvez tenha se deixado carregar pela necessidade de carregar nas cores do pastiche para diferenciar de verdade sua obra da original. Essa distância é, em primeiro lugar, desnecessária, pois os filmes são efetivamente distintos ao menos no que toca sua fotografia e paleta de cores (mais sobre isso no final). Em segundo lugar, a teatralidade dos personagens até teria lugar na trama se elas não chamassem mais atenção do que a própria trama. 

Sobre a fotografia e paleta de cores, elas são sensacionais. Para começar, a Noodle Shop fica no meio de nada com coisa nenhuma, cercada de montanhas multicoloridas em tons vermelhos. Contrastando com isso, temos o céu azul de dia e a lua cheia de noite. As tomadas de Yimou, algumas delas exagerando na grande angular, aproveitam ao máximo a bela paisagem. As cores também, assim como em Lanternas Vermelhas, são uma atração à parte. Os figurinos são multicoloridos mas sempre em harmonia com a paisagem desolada ao redor e o azul utilizado para identificar o pelotão de política - algo bem ocidental, na verdade - é realmente magnífico.

Em determinados momentos, apesar dos problemas do filme e além da fotografia e cores, Yimou mostra sua genialidade. A tomada aérea do complexo onde moram os personagens é um achado e a reprodução de uma sirene de polícia quando chega a tropa é simplesmente muito bacana para não ser citada aqui.

O filme merece ser visto mas, definitivamente, não é o "Zhang Yimou" que eu estava esperando.

Mais sobre o filme: IMDB e Rotten Tomatoes.

Nota: 7 de 10

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