domingo, 21 de junho de 2009

Crítica de quadrinhos: Jack of Fables


Sou fã da série Fables de Bill Willingham, conforme vocês podem ver nos meus comentários aqui. Assim, nada mais natural do que eu ter ido atrás do spin-off do mesmo autor, batizado de Jack of Fables.

Jack é o João genérico do mundo do conto de fadas. Ele é, principalmente, João da estória de João e o Pé de Feijão mas, também, é o João (Jack) de Jack Frost e o João (Jack) de Jack O'Lantern, assim como de Jack the Giant Killer e outros, vários outros. Nos quadrinhos, ele foi introduzido logo na primeira estória como amante da irmã de Branca de Neve. A estória nos revela que ele é um pilantra, que só pensa em si próprio, em dinheiro e em mulheres, nessa ordem.

Com o aparente sucesso do personagem, Bill Willingham tratou de faturar em cima e criou uma série derivada contando as peripécias de Jack no mundo dos humanos normais. O primeiro volume, colecionando os fascículos 1 a 5 da série, nos mostra Jack logo após ser escorraçado pelos Fables por ter feito uma trilogia tipo "Senhor dos Anéis" contando suas próprias estórias para ficar milionário e poderoso (um Fable é proporcionalmente poderoso ao quanto os humanos normais lembram e gostam das estórias dele). A premissa dessa estória de Jack é muito bacana e muito bem feita.

O que vem em seguida não é tão bom assim. Jack passa a ser perseguido pelo misterioso Mr. Revise, que tem uma espécie de campo de concentração de Fables em pleno mundo dos humanos. Na coleção seguinte, chamada Jack of Hearts, Jack vai fazer fortuna em Las Vegas mas continua correndo de Mr. Revise. O mesmo ocorre no volume três, intitulado The Bad Prince, em que Jack é confrontado com a revelação de um segredo terrível: ele não é ele mesmo mas sim uma cópia (só lendo para entenderem). Ele passa esse volume quase todo trespassado por Excalibur!!! No volume quatro, chamado de Americana, Jack vai atrás desse tal lugar que dá nome à edição, só para ter que fugir de zumbis e de um outro cara mais maníaco que Mr. Revise.

Sei lá. Nessa série o autor parece ter perdido a mão. Até que os dois primeiros volumes são bacanas e seguram a onda. O terceiro e o quarto, porém, começam a desandar brabo, com estórias pouco pensadas, centradas demais no umbigo do personagem principal e sem o charme e a mágica da série principal.

Vou continuar a ler pois sou teimoso mas não tenho muitas esperanças que melhore. Talvez até eu esteja sendo muito rígido no comentário e comparando Jack of Fables com Fables mas eu pergunto: como não compará-los? Mesmo autor, mesmos personagens, mesmo ambiente, mesmo quase tudo.

Bom, contanto que Willingham não estrague a série principal, vale qualquer coisa.

Notas:

Volume 1 - 7 de 10
Volume 2 - 7 de 10
Volume 3 - 5 de 10
Volume 4 - 6 de 10

sábado, 20 de junho de 2009

Crítica de filme: Hannah Montana - The Movie (Hannah Montana - O Filme)


É, tive que ver esse filme. Afinal, tenho duas filhas.

Trata-se do primeiro longa metragem para cinema (não estou contando com um show que foi filmado e lançado no cinema) baseado na série Hannah Montana, sucesso no canal Disney no mundo inteiro. A série é estrelada pela adolescente na vida real Miley Cyrus, fazendo o papel de Miley Stewart e de Hannah Montana. Miley é a menina de verdade e Hannah é sua persona famosa, cantora de música pop. É transposição do mito da identidade secreta dos super-heróis para a vida do estrelato. No lugar de tirar os óculos para se tornar Superman, Miley coloca uma peruca loira e se torna Hannah Montana. Apenas poucos sabem da dupla vida da menina.

No filme, seu pai Robby Ray Stewart (vivido pelo pai de Miley na vida real Billy Ray Cirus, um ex-cantor de música country) percebe que sua filha está deixando o estrelato subir à cabeça e decide algo radical: vai com a menina para suas raízes na cidade de Crowley Corners no Tennessee para ela reaprender a "vida real".

É uma mensagem bacana e gera uma "surpresa" ao final do filme em relação à identidade secreta de Miley. As músicas, por incrível que pareça, são cativantes. Além da The Best of Both Worlds, hit principal da série que foi transposta para o filme, há várias canções divertidas, a melhor delas uma mistura de country com pop chamada Hoedown Throwdown.

O melhor de Hannah Montana é que Miley não parece ser aquela menina perfeita, quase símbolo sexual, que normalmente são todas as meninas que chegam ao estrelato. Ela é bonitinha, nada mais. Tem dentes tortos e um sorriso de pessoa normal, o que lhe dá todo um charme. É uma aparência de autenticidade que só pode ser salutar para as adolescentes de hoje.

Definitivamente não é para adultos mas Hannah Montana sem dúvida agrada.

Nota: 7 de 10

Club du Film - Ano IV - Semana 17: The Big Heat (Os Corruptos)


Há pouco mais de três anos, no dia 28 de dezembro de 2005, eu e alguns amigos decidimos assistir, semanalmente, grandes clássicos do cinema mundial. Esse encontro ficou jocosamente conhecido como Club du Film. Como guia, buscamos o livro The Great Movies do famoso crítico de cinema norte-americano Roger Ebert, editado em 2003. Começamos com Raging Bull e acabamos de assistir a todos os filmes listados no livro (uns 117 no total) no dia 18.12.2008. Em 29.12.2008, iniciamos a lista contida no livro The Great Movies II do mesmo autor, editado em 2006. São, novamente, mais 100 filmes. Dessa vez, porém, tentarei fazer um post para cada filme que assistirmos, com meus comentários e notas de cada membro do grupo (com pseudônimos, claro).

Filme: The Big Heat (Os Corruptos)

Diretor: Fritz Lang

Ano de lançamento: 1953

Data em que assistimos: 09.06.2009

Crítica: Fritz Lang é o sensacional diretor de Metropolis, um dos filmes mais importantes da história do cinema, e de M, O Vampiro de Düsseldorf, um sensacional thriller com talvez o que seja o primeiro serial killer do cinema.

Assim como vários outros diretores alemães, com a eclosão do nazismo na Alemanha, Fritz Lang foi para os Estados Unidos. Lá, mesmo dentro do sistema de estúdios norte-americano, Lang conseguiu produzir algumas obras de relevo. The Big Heat (Os Corruptos) é uma delas.

A premissa é extremamente simples: um policial correto, ao investigar um aparente suicídio, começa a se intrometer na vida do chefão do crime local, sofrendo consequências diretas em sua família. Trata-se de um noir da melhor estirpe se visto por esse ângulo. E é sob esse ângulo que dei minha nota abaixo.

Talvez, se tivesse feito uma análise mais detida, como faço agora, teria dado uma nota mais alta. No entanto, como no Club du Film não podemos mudar a nota posteriormente, fica a que dei mesmo.

De toda forma, The Big Heat é um filme sensacional mais pelo que esconde do que pelo que mostra. Aí é que está a maestria de Fritz Lang: sob o manto de uma estória simples, o diretor esconde uma camada mais sombria e inquietante.

Explico.

Dave Bannion (Glenn Ford) é um policial completamente by the book, que acha que ou tudo é preto ou tudo é branco. Não há tons de cinza. Ele começa a descobrir uma trama envolvendo a máfia local que, por definição, tem toda a polícia no bolso. Os mafiosos são maus; os policiais são corruptos. Tudo bem definido. Seria um clássico filme da luta do bem contra o mal se Lang não tivesse inserido alguns fatores que alteram a trama e criam uma estória paralela. São, na verdade, quatro fatores, todos eles mulheres.

O primeiro é a mulher do policial que se suicida. O segundo é a mulher de Dave Bannion. O terceiro é a mulher do capanga (Lee Marvin novinho) do mafioso. O quarto é a senhora que trabalha em um ferro velho.

E o que tem de novidade nesses "fatores". Bem, posso dizer que, subliminarmente, Dave Bannion pode ser comparado a um crápula. O cara, com ar de "surpresa" e mostrando profunda inocência, se utiliza de todas essas mulheres, colocando-as em perigo mortal.

Ele começa investigando um suicídio, esbarra na máfia, provoca o mafioso chefe indo até a casa dele e espancando um guarda costas. Depois disso, volta para a casa para a esposa querida, como se nada tivesse acontecido. Bum! A esposa explode ao ligar o carro.

Depois, ao descobrir uma pista chave com a bondosa velhinha do ferro velho, ele a usa de forma mais desavergonhada para identificar o criminoso. Para a senhora morrer, falta pouco. Mais tarde, se utiliza tanto da mulher do suicida quanto da mulher do capanga do mafioso para cometer os atos mais sujos, sem nem mencionar o fato. Tudo corre por debaixo dos panos, como uma trama subliminar muito interessante. O que ele faz com a mulher do capanga só se utilizando de palavras e parecendo um cachorro sem dono é maquiavelicamente brilhante.

No final das contas, o certinho Dave Bannion se mostra mais mal do que o sinistro Harry Powell (Robert Mitchum) em The Night of the Hunter.

Notas:

Minha: 7 (mas eu daria mais agora, talvez uns 8,5)
Klaatu: 7
Barada: 7

Crítica de teatro: Os Difamantes


Maria Clara Gueiros e Emílio Orciollo Netto atuam nessa razoavelmente divertida peça que faz uma feroz crítica à fama efêmera de personalidades. Os dois fazem um casal que quer ficar famoso e, para isso, desenvolvem um talk show na cama.

A premissa é apenas uma desculpa para um desfile de piadas sobre celebridades e aqueles que sonham em ser celebridades. Também são alvejadas as mesmices e falta de qualidade da programação televisiva atual.

O cenário é um só: o quarto do casal. O figurino ou são pijamas e camisolas ou roupas simples, usadas por apenas algums minutos, pelo casal.

Não há muito o que se falar dessa peça pois ela é bem simples e objetiva. A atuação dos dois é suficientemente boa para arrancar algumas risadas aqui e ali, com algumas piadas realmente boas, mas a maioria bem normalzinha.

Não tinha a menor intenção em assistir essa peça mas, por várias circunstâncias, acabei indo. Pelo menos não senti que perdi uma hora e meia da minha vida.

Nota: 5,5 de 10

Crítica de TV: Boston Legal - 4ª Temporada


Boston Legal, para quem não conhece, é uma divertidíssima série sobre advogados, estrelando James Spader (no papel de Alan Shore), William "Captain Kirk" Shatner (no papel memorável de Denny Crane) e Candice Bergen (no papel de Shirley Schmidt). O mote da série é a relação entre os advogados e com os casos absurdos perante os tribunais. Trata-se de uma comédia com alguns tons de drama.

A série vinha se mantendo sólida, cada vez mais se aprofundando na forte amizade entre Denny Crane e Alan Shore mas sempre deixando espaço para interessantes assuntos judicais, ainda que sempre incomuns. No entanto, a quarta temporada exagerou no lado comédia da série, ao apresentar uma série de casos completamente malucos, como uma cidade que quer se separar dos Estados Unidos por não concordar com a política do governo Bush, outra cidade que quer ter o direito de construir sua própria bomba atômica e outros. Isso fora os episódios que tratam de ações judiciais em que são parte os próprios advogados do escritório Crane Poole & Schmidt, como as duas prisões de Denny Crane por se envolver em prostituição, a neta de Shirley que quer evitar sua expulsão da escola etc.

A série foi construída ao redor de casos excêntricos mas a quantidade desse tipo de assunto foi sempre comedida e temperada por assuntos sérios, importantes para o dia-a-dia. Ao partirem para a comédia pura, os produtores demoliram um dos alicerces dessa excelente série. Não me levem a mal: o programa continua muito legal só que ele foi muito alterado. Há, ainda, episódios brilhantes como a defesa de Alan Shore, em um caso de pena capital, perante o Supreme Court mas esses episódios, que eram a regra, tornaram-se a exceção. Nem mesmo a entrada de John Larroquete no papel de um sócio sênior chamado Carl Sack, que veio para arrumar o escritório de Boston, ajuda muito nessa temporada fraca.

Parece que os produtores notaram esse problema e a série foi encerrada na quinta temporada que ainda assistirei com prazer, ainda que não o mesmo prazer das três primeiras.

Nota: 6,5 de 10

terça-feira, 16 de junho de 2009

Crítica de quadrinhos: Ex Machina vols. 1 e 2


Brian K. Vaughn é um excelente escritor de quadrinhos. Foi o responsável pela sensacional série Y: The Last Man, comentada aqui e pela brilhante graphic novel Pride of Baghdad, sobre leões em plena guerra do Iraque.

Depois de ler essas duas obras, passei a caçar tudo que ele fez e, imediatamente, sem muito esforço, dei de cara com Ex Machina. Vaughan começou a escrever essa série em 2004 e disse que ela teria 50 números. Estamos um pouco acima do número 40, no momento, ou seja, boa hora para começar a ler. Os dois primeiros volumes, chamados The First Hundred Days e Tag, respectivamente, cobrem os primeiros 10 números da série.

Sabem aquelas estórias que te capturam logo na primeira página e você não consegue mais largar e fica desesperado pelo próximo número? Pois bem, Ex Machina, para minha surpresa, não é uma delas. Comecei com dificuldade e pouco interesse e acabei da mesma forma. Mas sou um cara persistente e eu me conheço: provavelmente comprarei ao menos o volume 3.

Ex Machina conta a estória de Mitchell Hundred, aparentemente o único super-herói do mundo. A estória começa em 2005, com Mitchell recontando o período entre 2002 e 2005, quando era prefeito de Nova Iorque. Sim, isso mesmo: um super-herói se torna prefeito da cidade mais importante do mundo.

Hundred foi, na verdade, um herói desastrado mas que, por uma "sorte" (e bota aspas nisso) tornou-se extremamente famoso e ganhou a eleição. Seus poderes, vocês perguntarão: ele passou a conversar com máquinas depois que achou um dispositivo misterioso na base da ponte do Brooklyn. Com esses poderes, ele inventou uma roupa com um jato nas costas e passou a se chamar The Great Machine. Depois de um breve carreira, aposentou-se e passou a concorrer à prefeitura de Nova Iorque, achando que poderia fazer mais pelas pessoas dessa forma.

A premissa é interessante mas o pouco que acontece nesses dois volumes acontece ou por razões não relacionadas com Hundred ou relacionadas demais. Não sei explicar. É meio esquisito ver um prefeito envolvido em aventuras, mesmo sem utilizar máscara e uniforme. Certamente Vaughn constrói uma excelente crítica política, mostrando as entranhas de uma complicadíssima e atribulada prefeitura. No entanto, essa mistura de super-herói com cargo político, pelo menos até o momento, mostrou-se forçada, em minha opinião.

Mas Vaughn é bom, muito bom. Tenho esperança que isso mudará em breve, na medida em que a trama ficar mais complicada para o lado de Mitchell Hundred.

Nota: 6 de 10

Crítica de filme: Terminator Salvation (O Exterminador do Futuro: A Salvação)


Terminator 1 e 2 são filmes perfeitos. Um está para o outro assim como Alien está para Aliens. Quatro obras com suas próprias características mas cada uma dela acertando o alvo em cheio.

Terminator 3 está para Alien 3 assim como Terminator Salvation (T4 para facilitar) está para Alien Ressurection. Hum, bom, essa comparação não é tão justa assim pois Alien Ressurection é execrável, mas é quase isso.

Em outras palavras, não se deve mexer em obras primas, refilmando-as ou criando continuações completamente desnecessárias, que nada acrescentam à estória. Pelo menos na série Alien, os produtores conseguiram manter a mola mestra nos quatro filmes, a atriz Sigourney Weaver. Em T4, Schwarza não aparece e o pouco charme que T3 tinha vai para o ralo com isso.

Uma breve sinopse vem a calhar: no futuro previsto nos filmes da série, John Connor (Christian "Batman" Bale) é um dos líderes da resistência. A repentina aparição de Marcus Whright (Sam Worthington), algo não previsto nesse futuro ditado em fitas gravadas pela mãe de John, muda os eventos e John tem que saber lidar com isso. Marcus não sabe quem é. A última coisa que lembra é estar para ser executado por injeção letal, logo antes da Skynet destruir o mundo como conhecemos. Acordando no ano de 2018, Marcus esbarra no jovem Kyle Reese (Anton Yelchin, o Chekov do novo Star Trek) e, mais tarde, em John Connor.

McG é um diretor de videoclipes e isso ele faz muito bem. A perseguição dos vários robôs exterminadores a Marcus e Kyle é sensacional mas acontece muito cedo no filme. Depois disso, a quantidade de coisas implausíveis vai se montando até o ponto do insuportável. A começar pela coincidência de Marcus dar de cara logo com Kyle; por Kyle, um rapazote porcaria, ser o número 1 na lista de "procurado" pela Skynet; por John Connor, só a partir dos eventos desse filme, sair atrás de seu futuro pai. O simples fato de a Skynet estar atrás de Kyle e John, assim de graça, já não faz sentido pois a Skynet não teria como saber de seu futuro. E o que mais me incomodou: McG não fez nenhum esforço para mostrar o porquê de Connor ser considerado uma espécie de messias. O cara é reverenciado sem nenhuma explicação e não venham me dizer que é só porque ele é o filho de sua mãe pois isso não cola.

Por cima disso tudo, temos Christian Bale que não convence como Connor. Aquele cara, em T2, que aparece de relance como um John Connor cheio de cicatrizes é melhor que Bale. Yelchin está legal como Kyle Reese, especialmente quando se põe a falar as frases que conhecemos do primeiro filme. Quem não se lembra de "Come with me if you want to live."? Certamente T4 tenta homenagear ao máximo os dois primeiros filmes mas, ao fazer isso, fica preso demais à mitologia da série e acaba por não trazer nada de novo. O final é arrastado e repetitivo em relação a T2. O filme tem suas surpresas mas todas elas óbvias demais para eu considerá-las verdadeiramente como surpresas.

Mas, pelo puro fator diversão, o filme tem seus méritos. Muita perseguição na terra e no ar, com carros e motos (até ao som de "You Could be Mine"!!!), caminhões tanque e Hunter Killers (aquelas naves bacanas da Skynet). Os efeitos especiais são muito bons, com apenas uma pequena (mas grande, na verdade) exceção (não explico pois é spoiler mas é lá pelo final). Pena que o roteiro é um queijo suíço de tantos buracos. Se eles tivessem se esforçado um pouquinho mais, teriam feito um filme do nível de T3 (e olha que não conheço ninguém - a não ser eu - que tenha gostado de T3...).

Nota: 5 de 10

domingo, 14 de junho de 2009

Crítica de livro: The Road


Eu adorei No Country for Old Men (Onde os Fracos Não Têm Vez), dos irmãos Coen. Foi graças a esse filme que vi, pela primeira vez, o nome de Cormac McCarthy.

McCarthy é o autor do livro que serviu de base para o filme dos irmãos Coen e que acabou abocanhando o Oscar de melhor filme. O cara já escreveu uns 10 livros de ficção, dentre eles All the Pretty Horses, que também virou filme, dirigido por Billy Bob Thornton e estrelando Matt Damon e Penelope Cruz. Não vi esse filme, de 2000, mas ele está em minha lista.

De toda forma, com No Country for Old Men, McCarthy entrou em meu radar. Quando li maravilhas de seu livro mais recente, The Road, de 2006, coloquei-o em minha lista. Quando soube que ele estava sendo adaptado para o cinema pelos irmãos Weinstein e estrelando Viggo Mortensen e Charlize Theron, coloquei-o mais alto na lista e acabei comprando-o em minha última viagem.

Devorei o livro em duas viagens breves de avião. É sensacional assim.

A estória é simples: um pai e um filho andam pela estrada de um Estados Unidos devastado, pós-apocalíptico, tentando chegar ao litoral, onde eles acham que a situação vai melhorar. Nada mais que isso. O livro basicamente enfoca nos dois. Demais personagens aparecem aqui e ali mas sem serem o foco da jornada, apenas elementos impulsionadores. Para se ter uma idéia, o pai e filho nunca têm seu nome revelado e o que quer que tenha acontecido com o mundo não é explicado.

Por essas e outras é que a relação entre pai e filho ganha os holofotes. Um pai que faz qualquer coisa pelo filho e um filho que ama o pai incondicionalmente. Um ajuda o outro a sobreviver; um é a razão de ser do outro. O que interessa a nós, leitores, é a jornada e não como ela acaba. Cada parágrafo do livro é para ser saboreado, lido e relido.

McCarthy tem o domínio da língua inglesa como quase nenhum outro autor da atualidade. São parágrafos curtos mas cheio de ritmo e beleza, assim como a estória dos dois andarilhos. Em alguns momentos vê-se alguma repetição no que acontece na estória mas o que é a vida senão a rotina, a repetição? O que é a vida senão um momento após o outro sem exatamente sabermos o que vai acontecer?

Realmente não sei como esse livro será adaptado em filme e fico meio temeroso. Uma adaptação literal é possível já que o livro não é longo, mas o filme poderia ficar meio parado, o que não é muito atraente para as bilheterias. Sabendo que os Weinstein estão desesperadamente precisando de um sucesso, não duvidaria se eles enchessem os intervalos em que nada acontecesse com um monte de tiroteios, canibais e perseguições. Isso acabaria com o livro. A contratação de Charlize Theron para o papel de mãe do menino já é um sinal que adições foram feitas (a mãe é objeto de dois ou três parágrafo no livro). Isso não é necessariamente ruim na mão de um hábil roteirista e diretor. Assim como os dois andarilhos, eu ainda tenho esperanças.

Nota: 10 de 10

Crítica de quadrinhos: Truth: Red, White & Black

Essa série foi lançada em 2003 e eu a tinha comprado pouco depois. No entanto, só agora, depois de ler a sensacional série do Capitão América por Ed Brubaker, comentada aqui, resolvi cavucar meu baú de revistas para ler Truth.

Logo lembrei-me o porquê de tê-la largada de lado: a arte caricatural de Kyle Baker me irritou. E, para dizer a verdade, continua me irritando. Dessa vez, porém, segui em frente até por que há rumores que o personagem principal dessa série, o "afro-americano" Isaiah Bradley, voltará para as páginas de Capitão América.

Truth tem um premissa muito interessante e triste. Durante a Segunda Guerra, antes de os americanos injetarem o soro de super-soldado que transformou o franzino - e branco - Steve Rogers no Capitão América, eles o testaram em negros. Afinal, nada mais natural já que, no final da década de trinta e começo da década de 40, os negros, nos Estados Unidos, eram ainda fortemente segregados. Assim, fazendo mímica de estórias reais de negros americanos servindo de cobaias para testes dos mais absurdos possíveis (em um famoso casos, negros foram injetados com sífilis sem nem mesmo saber), o escritor Robert Morales criou Truth.

Um batalhão inteiro de soldados negros é separado e usado como cobaias para o soro do super-soldado. Quase todos morrem. Sobram apenas sete, que se tornam super fortes mas, em alguns casos, bem deformados também. No desenrolar da estória, vemos que apenas Bradley chega vivo ao final. Percebemos, também, que o Capitão América que todos conhecemos está tentando, nos dias de hoje, descobrir o que aconteceu, pois ele havia acabado de descobrir que ele não foi o primeiro super-soldado.

A estória é, claro, um libelo contra o preconceito e funciona bem nesse nível. No entanto, a já mencionada arte de Kyle Baker e o roteiro com alguns furos bem grantes e pulos temporais desnecessários, além de um desenvolvimento inicial bem lento, atrapalham o que poderia ser uma grande obra. O final, então, chega a ser ridículo de improvável, mesmo dentro de todo esse conceito improvável de super-soldados.

Nota: 6 de 10

Crítica de filme: Taken (Busca Implacável)

John Matrix é um ex-soldado das forças especiais que se aposentou para ficar com sua filha. Quando ela é sequestrada, Matrix usa de todas as suas técnicas para resgatá-la.

Opa, não é esse filme que tenho que criticar...

Troquem John Matrix (de Comando para Matar, vivido pelo Governator) por Bryan Mills, vivido por Liam Neeson, troque ex-soldado por ex-espião e aumente um pouco a idade da filha e voilà, temos Taken (Busca Implacável). Esse filme, na verdade, é um pequeno filme de ação francês (nada de americano), falado totalmente em inglês, dirigido pelo francês Pierre Morel e produzido pelo também francês Luc Besson. Ele estreou fora dos Estados Unidos antes de nos Estados Unidos, foi um sucesso e, meses depois, foi lançado nos EUA e também se tornou um sucesso por lá. É algo raro.

Mas dá para ver porque foi um sucesso.

Liam Neeson está excelente nesse papel que, na verdade, não exigiria muito de nenhum ator. No entanto, Neeson empresta uma seriedade e discrição ao papel de Mills que ele brilha toda vez que aparece (basicamente o filme todo). Mills é um Matrix misturado com McLane. Bate, arrebenta, corre, atira, joga, chuta, quebra ossos e nada, absolutamente nada acontece com ele. Ele é uma máquina de matar albaneses (os bandidos que sequestraram sua filha em plena Paris).

O filme é pura diversão do tipo "deixe-seu-cérebro-na-porta", no exato estilo dos anos 80 de tantos filmes memoráveis como Commando, Cobra, Rambo e Delta Force. Estava com saudades de filmes assim, que não querem e não tentam ser mais do que são.

Nota: 7 de 10

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Crítica de filme: Night at the Museum: Battle of the Smithsonian (Uma Noite no Museu 2)

Dei um jeito e consegui escapar de ver o primeiro Uma Noite no Museu. Não tive a mesma sorte com sua inevitável continuação. Assisti me revirando na cadeira do cinema tamanha era minha má vontade. Esse é um daqueles filmes que eu sabia que não podia ser bom.

E não foi mesmo.

Uma Noite no Museu 2 transfere a ação do primeiro filme do Museu de História Natural de Nova Iorque para o complexto de museus do Smithsonian, em Washington D.C. Santa originalidade, Batman!, já diria o menino prodígio dos anos 60...

Bom, agora Ben Stiller, que fazia o papel do guarda noturno Larry Daley no primeiro filme, é o rico empresário Larry Daley, inventor de um monte de bugingangas inúteis vendidas naqueles programas imbecis - mas que são deliciosos de assistir - que vendem "facas Ginsu" e meias "Vivarina". É claro que, por uma razão qualquer que é difícil de explicar de tão idiota, ele acaba novamente como guarda noturno por uma noite no Smithsonian, para tentar salvar seus amigos reanimados e vários outros amigos novos.

É um tal de correr de um museu para o outro só para mostrar as estátuas, foguetes e obras de arte ganhando vida, de forma a justificar o orçamento de para lá de 15o milhões de dólares, que a estória, que já era pouca, desaparece completamente. Pelo que me lembro, há um faraó malvado, irmão do faraó do filme original, que se une com Al Capone, Ivan o Terrível e Napoleão Bonaparte para recuperar uma placa que abre um portal para o inferno. Mas isso pouco importa. O bacana é mostrar a estátua gigante de Abraham Lincoln andando, nosso heróis entrando em fotografias, batalhas aéreas e coisas do gênero. Dane-se a estória!

Bom, dane-se o filme também. É uma daquelas obras hollywoodianas completamente sem sal, voltada unicamente a crianças de até 6 ou 7 anos mas que, infelizmente, faz um caminhão de dinheiro. Teremos, certamente, mais uma continuação...

Ó vida, ó azar...

Nota: 3 de 10 (três pontos pela brevíssima e hilária cena com o Darth Vader e pelos efeitos visuais bem razoáveis, senão era zero mesmo...)

Club du Film - Ano IV - Semana 16: 12 Angry Men (12 Homens e Uma Sentença)


Há pouco mais de três anos, no dia 28 de dezembro de 2005, eu e alguns amigos decidimos assistir, semanalmente, grandes clássicos do cinema mundial. Esse encontro ficou jocosamente conhecido como Club du Film. Como guia, buscamos o livro The Great Movies do famoso crítico de cinema norte-americano Roger Ebert, editado em 2003. Começamos com Raging Bull e acabamos de assistir a todos os filmes listados no livro (uns 117 no total) no dia 18.12.2008. Em 29.12.2008, iniciamos a lista contida no livro The Great Movies II do mesmo autor, editado em 2006. São, novamente, mais 100 filmes. Dessa vez, porém, tentarei fazer um post para cada filme que assistirmos, com meus comentários e notas de cada membro do grupo (com pseudônimos, claro).

Filme: 12 Angry Men (12 Homens e Uma Sentença)

Diretor: Sidney Lumet

Ano de lançamento: 1957

Data em que assistimos: 02.06.2009

Crítica: Colocamos o filme para rodar sabendo que era um "filme de tribunal". No Club du Film, somos quase todos advogados e isso sempre quer dizer que o filme que veremos provavelmente é no mínimo bom. 12 Angry Men (12 Homens e Uma Sentença), porém, é o "filme de tribunal" mais atípico possível.

Primeiro porque de tribunal mesmo só vemos alguns segundos, quando o juiz, ao final das manifestações dos advogados das partes, passas as instruções para os 12 componentes do júri popular. Segundo porque é um filme de tribunal sem advogados, sem autor da ação, sem réu (a não ser um breve vislumbre do rosto dele), sem juiz (a não ser pelas já faladas instruções que ele passa ao começo) e sem o tribunal em si. Tudo se passa em uma sala apenas, com uma mesa, um banheiro, um ventilador, duas janelas e os 12 membros do júri conversando para chegar à uma decisão. 

Só sabemos do caso a partir das lembranças de cada um dos jurados, em ordem não cronológica. Não há flashbacks. Sentados à mesa, 11 dos 12 jurados decidem condenar o réu, o que significa que ele será morto já que o crime que ele teria cometido foi o assassinato do próprio pai. A decisão tem que ser unânime e os jurados querem ir para casa. O 12º jurado vota pela absolvição e então começa a briga solitária dele para mostrar que não dá para ter tanta certeza assim que o réu cometeu o crime.

Henry Fonda é o jurado dissidente e, em seu brilhante papel de um arquiteto calmo e ponderado, que começa a levantar dúvidas sobre o que viu e ouviu jurante o julgamento, ele dá um show. Sem nunca dizer que o réu é inocente, Fonda (o jurado nº 8 pois ninguém tem nome nesse filme) vai semeando dúvidas onde a certeza antes existia. Ele tem que mostrar que há "reasonable doubt" e que, com isso, os jurados não podem condenar ninguém. O trabalho do ator, no começo solitário, é fantástico e digno de Oscar (que ele não ganhou, por sinal). 

No entanto, mais fantástico ainda é o que os 12 jurados representam. Cada um deles representa um microcosmo dos Estados Unidos em 1957. Há o imigrante astuto que sofre preconceito, o trabalhador de baixo nível social que é preconceituoso, o publicitário falastrão e raso, o idoso orgulhoso, o líder natural, o pai durão com uma pesada carga de culpa e outros. As diferenças sociais e psicológicas de cada um dos personagens vai aflorando de forma natural e bela. Os embates se intensificam na medida em que Fonda segue mostrando, de forma inabalável, que os fatos que foram expostos durante o julgamento não poderiam ter acontecido da forma como foram narrados pelas testemunhas. 

O preconceito americano (mas que não é exclusivo dos americanos), porém, é o que mais se mostra evidente. Afinal, o réu é um negro jovem que já entrou no tribunal derrotado e com a pecha de assassino. Ora bolas, o que mais ele poderia ser? E esse preconceito vaza nos discursos de pelos menos dois jurados, com a concordância de muitos outros. 

E, em cima disso tudo, há o diretor - Sidney Lumet - que utiliza apenas uma sala para dar um show de direção. A sala, muito quente, ajuda na sensação de claustrofobia que o filme passa e no desespero decorrente da certeza que há algo errado com o julgamento que os jurados acabaram de assistir mas que tão rapidamente decidiram condenar o réu. A iluminação, os close-ups, a colocação da câmera, o preto-e-branco, tudo funciona para dar ao filme uma sensação de realidade inacreditável. 

Acima de tudo isso ainda, há uma discussão sobre o próprio sistema de júri popular. Funciona mesmo? O filme é uma denúncia de um sistema falho ou um elogio a um sistema próximo do perfeito? As duas mensagens são passíveis de serem extraídas. Resta ao espectador escolher uma delas e, também, se identificar com algum jurado. E não se enganem, os espectadores vão se identificar com alguém; talvez não queiram dizer com quem, mas que se identificarão, ah, se identificarão...

Notas:

Minha: 10 de 10
Barada: 9 de 10
Nikto: 8 de 10

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Crítica de filme: Defiance (Um Ato de Liberdade)

O trailer desse filme me pareceu muito interessante: foragidos na floresta durante a Segunda Guerra atacam nazistas. Depois, descobri que o filme não era bem sobre isso e acabei deixando ele sumir de meu radar, apesar de estrelar dois bons nomes do cinema, Daniel Craig (o novo 007) e Liv Schreiber (o Dentes-de-Sabre do filme recente do Wolverine).

Assim, acabei vendo esse filme no avião, indo para os Estados Unidos. Diferentemente dos outros "filmes de avião", que normalmente são filmes que sei que serão ruins mas, já que estou no avião, não custa ver, Defiance era um que queria ver e, depois de assistir, até fiquei chateado por não ter visto na tela grande do cinema.

Com todo respeito, Defiance é um dos poucos filmes sobre o Holocausto que não vitimiza o povo judeu. Defiance é, claro, um filme de sobrevivência, vida difícil e muita tristeza, mas é também um filme que mostra os judeus se unindo também para lutar contra a opressão nazista. Há vingança no ar. 

Digo isso pois essa "vitimização" do povo judeu, mostrando-os até como covardes (algo que estão longe, mas muito longe de serem) foi o que me incomodou profundamente em The Pianist (O Pianista). Nesse outro filme, Adrien Brody encarna um judeu que vive a vida em fuga, sem tentar reagir e, pior, sem ao menos dizer um "obrigado" para as pessoas que o ajudam. Pode até ser o que efetivamente aconteceu com o personagem mas, mesmo assim, o filme me deixou chateado e ressabiado para filmes sobre o Holocausto.

Corta para Defiance. 

Nessa estória, três irmãos judeus que viviam na Bielorrússia (país, aliás, que conhecerei no final do mês) fogem, depois de seus pais serem assassinados pelos nazistas. Na floresta onde cresceram brincando, os irmãos Bielski (Tuvia, vivido por Daniel Craig; Zus, vivido por Liev Schreiber e Asael, vivido por Jamie Bell) se tornam líderes de um enorme grupo de refugiados judeus, ajudando-os a sobreviver em terríveis condições. Tuvia e Zus, os líderes, têm posturas diferentes em relação aos nazistas: Tuvia até tenta se vingar dos alemães mas seu instinto de sobrevivência e seu amor por seu povo o transforma no verdadeiro salvador do grupo que comanda; Zus, amargo, se alia à resistência soviética e parte efetivamente para destruir os nazistas. 

O filme, então, conta a estória dessas duas frentes, a luta pela sobrevivência do grupo de judeus (mais de mil pessoas) e a luta armada da resistência soviética que, diga-se de passagem, é preconceituosa em relação aos judeus. 

O filme também nos conta sobre a força da união de uma família e de um povo e do que eles são capazes, sejam atacando seus opressores ou defendendo-se mutuamente. Todos trabalham e vivem da melhor forma possível, em condições precárias, sem ajuda de mais ninguém e com a fome à espreita. 

Poucos sabem, mas a Bielorrússia foi um dos países que mais sofreu com o Segunda Guerra, tendo 25% de sua população total dizimada. Quase a integralidade do povo judeu da região foi morto. Mas a estória da família Bielski é impressionante e de tirar o fôlego. Seria inacreditável se não fosse verdadeira.

Nota: 8 de 10

Crítica de filme: Star Trek

Um pouco mais de um mês depois de meu último post, aqui estou eu de volta. Nos próximos dias, compensarei minhas "férias" do blog com diversas novas postagens.

Vi Star Trek (2009) há bastante tempo, no dia que estreou. Não tenho realmente muita coisa diferente para falar sobre o filme. Tudo parece já ter sido dito.

De toda forma, para começar, vale lembrar que nunca fui fã da série de TV. Vi alguns capítulos da série original, alguns outros de The Next Generation e nenhum (nenhum mesmo!) de Deep Space Nine, Voyager e Enterprise. Em compensação, vi todos os filmes para o cinema e, como todo mundo, o resultado final é que a maioria dos 10 filmes é fraca e apenas uns poucos são realmente bons. Os melhores, em minha opinião, são (em ordem de lançamento): Star Trek II: The Wrath of Kahn, Star Trek IV: The Voyage Home (o das baleias) e Star Trek VIII: First Contact. Todos os meus preferidos incluem, de alguma forma, viagem no tempo. Kahn surgiu na série original e é um tirano da década de 90 na Terra que revive no século XXIII. Os outros dois filmes são sobre efetivas viagens no tempo, sendo o primeiro com os tripulantes da série original (Kirk, Spock e o resto da galera) e o segundo com a nova geração (Picard, Data e o resto da galera).

Star Trek de 2009 é uma "prequel" da série original de 1967, contando a estória de Kirk e Spock antes mesmo de ingressar na Frota Estrelar. No entanto, trata-se de um brilhante "prequel" que, na verdade, apesar de lidar com a estória anterior à série original, consegue não negar tudo o que aconteceu nas séries e filmes que já tivemos a oportunidade de assistir. É um recomeço sem  ser um recomeço de verdade e J.J. Abrams consegue isso - SPOILER, SPOILER para quem viveu em uma caverna nos últimos meses - com a manobra da viagem no tempo (aí está ela novamente!). O universo do Kirk que vemos nesse filme é uma linha temporal diferente da linha temporal do Kirk vivido por William Shatner já que o vilão Nero volta no tempo e acaba matando o pai de Kirk logo no começo do filme, criando uma espécie de realidade alternativa.

Com isso, Abrams conseguiu respeitar os fãs fanáticos da série original e, ao mesmo tempo, trazer um frescor que, francamente, essa série precisava muito. Tudo bem, alguns podem achar a viagem temporal uma maneira forçada de conseguir isso mas ela não tira o brilhantismo do filme e nos coloca em posição para continuações que podem ser completamente diferentes mas, se necessário for, os personagens da série original (inimigo como Kahn, por exemplo) ainda podem aparecer. Além do mais, viagens no tempo, por si só, são muito legais.

Eu vi esse filme duas vezes. Na primeira vez, saí do cinema maravilhado com o que Abrams conseguiu. Star Trek é um filme de ação sem parar, com excelentes efeitos especiais e com toques aqui e ali que lembrarão aos fãs (e até quem não é tão fã como eu) que estamos falando dos mesmos personagens que se imortalizaram na TV e no cinema desde a década de 60. Na segunda vez que vi o filme, porém, consegui prestar mais atenção e uma coisa acabou me incomodando muito.

Sem estragar a surpresa para quem não viu o filme, acontece um evento no meio filme - e que é absolutamente essencial para a trama - que é resultado de uma absurda e improvável coincidência. Basta dizer que, sem o que acontece nesse momento, o filme não teria o desfecho que tem. Existe algo chamado "suspensão de descrença" que é sempre necessário quando vamos ao cinema. Trata-se de necessidade de aceitarmos determinadas coisas que acontecem em filmes, permitindo que mergulhemos na estória (com isso, por exemplo, conseguimos acreditar que o policial John McLane é capaz mesmo de acabar sozinho com um exército de terroristas no Nakatomi Plaza). Isso é normal. No entanto, Abrams exagera ao pedir que aceitemos "tranquilamente" essa coincidência cosmicamente absurda. É algo que distrái qualquer espectador e retira a possibilidade de acreditamos inteiramente na estória. 

No entanto, Abrams é tão hábil nessa coincidência e tão sensacional no resto do filme todo que simplesmente dá para acabar "perdoando" o diretor. Outra coisa que ajuda muito são os atores. 

Chris Pine como Kirk está tão canastrão quanto Shatner. Zachary Quinto faz um Spock perfeito. Zoe Saldana está linda como Uhura. Simon Pegg está muito engraçado como Scotty. Mas quem leva o prêmio máximo de atuação é Karl Urban. O cara simplesmente encarnou DeForest Kelley no papel de Leonard "Bones" McCoy. Dá até calafrios assistir a Urban atuando pois antes mesmo de ele abrir a boca (na verdade, no segundo exato que ele aparece) já dá para ver "Bones" nele. Impressionante.

Em outras palavras, Abrams conseguiu um feito que poucos conseguiram: um "prequel reboot" de uma série amada, estabelecida há décadas no mercado, que não é nem um "prequel" nem um "reboot", que abraça os fãs fervorosos e dá boas vindas a novos fãs e que abre portas para toda uma nova série cinematográfica. Ufa...

Vida longa e prosperidade para Star Trek!

Nota: 8,5 de 10 (teria sido mais alta se Abrams tivesse evitado a coinciência absurda...)