Acabei de ler pela terceira vez a clássica graphic novel Watchmen. Fiz isso impulsionado pelo trailer da versão cinematográfica da obra máxima de Alan Moore. Queria lembrar-me dos detalhes, das nuances. Mas acabei achando um defeito, algo que não tinha visto antes e que, na verdade, nem sei se é um defeito.
A estória acaba apressada demais, quase como se Alan Moore tivesse cansado. Os últimos dois capítulos têm uma enorme quantidade de exposiçao de situações que foram muito pouco desenvolvidas nos dez primeiros capítulos. Talvez tenha sido de propósito mas foi a impressão que tive agora.
Não estou querendo criar polêmica, vejam bem. Watchmen continua sendo uma verdadeira obra-prima dos quadrinhos. É difícil imaginar alguma estória mais ácida da indústria dos quadrinhos do que ela, com todas as suas referências às eras de Ouro, Prata e Bronze dos heróis mascarados. Também é difícil encontrar estória tão politizada. No entanto, reparei isso agora, nessa terceira leitura e resolvi escrever.
Nos seus dez primeiros capítulos, Alan Moore e David Gibbons nos levam à uma rica e minuciosa viagem por um universo novo, criado por eles, na forma e aparência do universo de super-heróis que conhecemos (especialmente dos da DC). Somos apresentados a um mundo que já foi povoado de vigilantes mascarados mas que, hoje, não é mais. A primeira geração de vigilantes, na década de 40, quase não mais existe. Alguns morreram, outros estão velhos demais para continuar atuando. Somente The Comedian permanece ativo, um soldado de ultra-direita, que agora atua para o governo.
Esse primeiro grupo de heróis, todos sem super-poderes, inspira um segundo grupo de heróis, uma segunda geração. Esses são o foco da estória: Nite Owl II (uma versão high tech do primeiro Nite Owl, que o inspirou), Silk Spectre II (a filha da primeira Silk Spectre que somente se tornou super-heroína por pressão da mãe), Ozymandias (o homem mais inteligente do mundo que, com muito treinamento e meditação, alcançou o máximo que o ser humano poderia alcançar em termos de condicionamento físico e mental), The Comedian (que se junta a esse grupo depois que o primeiro acaba), Dr. Manhattan (o único com super-poderes, muitos super-poderes) e o icônico Rorschach (o mais misterioso deles).
Todos eles, de uma forma ou de outra, lembram heróis que quem lê quadrinhos está acostumado a lidar. Nite Owl II poderia ser o Besouro Azul mas também poderia ser um Batman light. Silk Spectre II poderia ser Black Canary ou qualquer outra super-heróina clichê genérica dos quadrinhos. Ozymandias poderia ser o Capitão América ou qualquer outro herói que depende quase que exclusivamente da forma e habilidades físicas. Rorschach poderia muito bem ser o lado negro de Batman ou também o The Question. Dr. Manhattan, por seus poderes, poderia ser a contra-partida de Alan Moore ao Superman, um herói tão poderoso que desequilibra qualquer estória. Na verdade, Moore se inspirou de verdade em uma antiga linha de heróis que havia acabado de ser comprada pela DC lá pelos idos da década de 80 (Watchmen foi lançada nos EUA entre 1986 e 1987). Desistiu por diversas razões - uma delas sendo certamente o horror da DC Comics ao ver o que Moore queria fazer com seus personagens - e criou seu próprio grupo.
No entanto, a estória não lida com as desventuras desse grupo. Ela se passa quando eles também estão todos aposentados mas a riqueza de Moore é tanta que sua narrativa facilmente cobre décadas de aventuras e chegamos ao final da estória enormemente familiarizados com os heróis e aqueles que os antecederam.
Tudo começa com o assassinato de Edward Blake, The Comedian. Não se trata de um spoiler pois isso acontece logo na primeira página e é a força-motriz que coloca a estória em movimento. Na época da estória - que se passa na década de 80 - os heróis mascarados foram proibidos por lei e Nixon já foi reeleito várias vezes presidente dos EUA. Há uma enorme tensão entre as duas potências mundiais e uma 3ª Guerra Mundial só não se inicia pois Dr. Manhattan, por ser uma bomba atômica ambulante, impede movimentos mais bruscos por parte da União Soviética. Tudo é tenso na estória, inclusive o PIP (picture-in-picture) que Moore espalha por quase todos os capítulos, uma macabra estória sobre piratas da revista Tales of the Black Freighter. Esse PIP serve de comentário à própria estória maior que se desenrola ao redor.
A investigação de Rorschach sobre a morte de Blake acaba desencadeando outros acontecimentos que não valem à pena contar para não estragar surpresas e a estória chega ao poderoso clímax, isso depois de tratar de estupros, assassinatos variados, brigas de casais, invasões de exércitos, a beleza de Marte (sim, o planeta) e outras coisas mais.
Mas aí vem minha pequena e humilde reclamação. Toda a detalhada construção dos personagens e o ritmo lento mas desesperador da estória ao longo de dez capítulos dão lugar à uma corrida para se chegar ao fim nos últimos dois capítulos. Fica claro que Moore planejou desde o inicío completar a saga em 12 episódios pois esse número é importante para a estória. No entanto, ele introduz tanto material novo nesse últimos momentos que, por alguns instantes, fica difícil "suspender a descrença" nesse nível. Há muita exposição em diálogos longos e esmiuçados cujos detalhes, apesar de terem sido eles todos jogados aqui e ali ao longo da estória, são, vamos colocar assim, difíceis de se engolir.
No entanto, eu devo estar sendo chato e detalhista demais. Não consigo nem de longe dizer que a estória é algo próximo de ruim. Ao contrário: todos os amantes de HQs deveriam ler essa que é facilmente a mais densa das estórias da arte seqüencial.
Depois dessa nova leitura, temo ainda mais pelo filme que Zack Snyder está fazendo. Ele me parece estar com a maior boa vontade para fazer o melhor possível mas colocar em filme o que se passa nessa HQ pode ser uma armadilha. A densidade da estória e seu final surreal são de dificílima transposição para as telonas. Assim como dissse em post abaixo, espero sinceramente estar errado.
Nota: 9,5 de 10
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