sábado, 8 de maio de 2010

Crítica de filme: The Road (A Estrada)

Li o livro que serviu de base para a adaptação cinematográfica de John Hillcoat e achei-o sensacional mas muito difícil de ser convertido para a tela grande (aqui). Afinal de contas, o livro conta a estória de um pai e um filho andando pelas estradas dos Estados Unidos devastados, pós-Apocalipse e não muito mais que isso. É um livro sobre o amor de um pai por um filho e o que o primeiro sacrifica pelo segundo, além dos valores que o filho absorve do pai. Uma beleza.

John Hillcoat, porém, acertou na mosca. Para começar, apesar de seguir fielmente o desenrolar do livro, ele e seu roteirista (Joe Penhall) souberam efetivamente adaptar, não meramente copiar. Isso significa que eles tiveram que fazer modificações e expansões que, para um purista, poderia significar a destruição do conceito de Cormac McCarthy. Eu mesmo fiquei temeroso logo na abertura pois o que aparece não é o mundo devastado mas sim a vinda pré-Apocalipse do pai com a mãe. A cena é muito feliz e colorida e serve a função de contrastar com o presente do filme, ou seja, uma terra sem cores, completamente sem vida. Meu temor inicial logo se dissipou com o fade para o pai com o filho procurando comida em meio de uma super-eficiente e econômica terra arrasada, sem muitos efeitos especiais. Hillcoat merece as mais altas notas só por isso.

Mas a coisa não pára por aí. Viggo Mortensen está excelente no papel do pai. Um relutante herói, que tem que lidar com as mais adversas situações para cuidar de seu filho. Ele tem medo mas tem que esconder o que sente. Ele tem saudades de sua esposa mas tem que se forçar a esquecê-la. Mortensen tem uma atuação contida que mostra tudo isso e muito mais. Kodi Smith-McPhee é o filho e o garoto consegue genuinamente mostrar seu medo e, ao mesmo tempo, sua curiosidade de criança. Para um menino (ou mesmo para um adulto), ele já viu atrocidades demais, mortes demais, mas mesmo assim mantem-se preocupado em fazer parte dos "caras bons" e não dos maus. Seu centro moral, porém, é testado pelas próprias atitudes do pai que, com a passagem do tempo, vai se tornando cada vez mais frio e obstinado na defesa de seu filho. A pergunta - "nós somos os caras bons?" - várias vezes repetida pelo garoto serve para nos lembrar que o mundo ainda tem esperança, apesar do que é visto ao redor.

Charlize Theron faz a mãe e tem uma presença limitada no filme, mas bem maior do que sua presença no livro, em que aparece por dois ou três parágrafos. No entanto, todo o flashback é eficiente em The Road pois serem como lembretes terríveis do que os dois tinham e perderam, especialmente o pai, que conheceu o mundo antes da destruição total. A cena em que é revelado o porquê de ela não estar junto do pai e do filho na jornada é de esmagar o coração pois não sabemos exatamente se ela enlouqueceu ou se ela quer dar uma maior chance de vida aos dois.

E não só os atores principais estão perfeitos. Um irreconhecível Robert Duvall aparece na estrada do pai e do filho. No livro, essa tocante cena é diminuta, rápida. Em ótima escolha, Hillcoat ampliou a cena sem criar uma distração, exatamente para testar o centro moral do garoto em relação ao pai. Duvall está impressionante com o senhor idoso, quase cego que o garoto quer por que quer alimentar, apesar da reprovação do pai. Guy Pearce e Michael K. Williams, ambos também irreconhecíveis, fazem pequeníssimas pontas mas também de maneira extremamente tocante e eficiente.

O ritmo do filme, apesar da pouca estória, é bem cadenciado e mistura cenas terríveis (a cena clichê de descer em um porão nunca mais será a mesma depois desse filme) com outras belíssimas, mesmo que dentro de um universo feio, desolado. Basta ver a cena final entre pai e filho para perceber o que estou falando.

Mas o mais bacana de The Road são as emoções que o filme imprime no espectador. Preciosa é um filme que classifiquei como um soco no estômago e The Road não é diferente, ainda que trate de uma situação bem mais fantasiosa. Mas, tendo lido o livro, já esperava por isso e procurei sempre ver o lado bom e acabei classificando The Road como uma mensagem de esperança, não como uma descida ao inferno. Minha esposa, que viu comigo, saiu do cinema mal, sofrendo. Se um filme faz você ficar mal pelas imagens que vê, isso provavelmente quer dizer que ele cumpriu sua meta.

E The Road cumpre sua meta com louvor, isso eu garanto.

A única coisa que realmente me espantou foi o filme ter sido esnobado no Oscar. Não justifica nem não concorrer a melhor filme pois até o sessão da tarde Um Sonho Possível concorreu. No entanto, era dever da Academia ter escolhido Viggo Mortensen para concorrer como melhor ator. Fotografia e roteiro adaptado também seriam outras categorias muito justas. Mas, o que há de se fazer?

Nota: 10 de 10

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