domingo, 28 de março de 2010

Club du Film - 5.35 - Les Enfants du Paradis (O Boulevard do Crime)

O Club du Film (mais sobre ele ao final desse post) completou 4 anos de existência no dia 29.12.2009, quando assistimos Rouge (A Fraternidade é Vermelha), o terceiro filme da Trilogia das Cores do diretor polonês Krzysztof Kieslowski.  Rouge foi, na verdade, o primeiro filme do 5º ano. Mas consideramos toda a trilogia como uma sessão apenas, para não fazer muita confusão na contagem de filmes. Assim, Les Enfants du Paradis (O Boulevard do Crime) foi o terceiro filme do 5º ano e o segundo do ano de 2010, pois o assistimos no dia 12.01.10.

Trata-se de um impressionante filme francês de 1994/1995, dirigido por Marcel Carné, quando a França ainda estava ocupada e a Europa tomada pelo caos da Segunda Guerra Mundial. Assistindo ao filme, não percebemos a importância dessa obra que nada fala da guerra, de nazistas, judeus ou coisas do gênero. Quando acabamos de ver, todos nós imediatamente demos nossas notas que, conforme as "regras" do Club du Film, não podem ser mudadas depois. No entanto, pela primeira fomos unânimes em concluir que fomos injustos com o filme e que ele mereceria uma nota ainda mais alta.

E por quê, vocês hão de perguntar. Para começar, o filme foi feito debaixo dos auspícios e com autorização dos nazistas, debaixo da administração Vichy na França, que impunha um limite de 90 minutos de duração para as produções cinematográficas. Les Enfants du Paradis, porém, tem 190, sendo lançado em duas partes auto-contidas, O Boulevard do Crime e O Homem de Branco. Juntas, as obras formam Les Enfants du Paradis e um dos filmes franceses mais importantes até hoje. 

A estória se passa pelos idos de 1830 em plena cena teatral francesa e o filme foca em Garance (vivida pela atriz Arletty), uma cortesã (nome chique para prostituta) e os quatro homens que se apaixonam por ela: Baptiste Debureau (vivido por Jean-Louis Barrault), um mímico; Frederick Lemaître (Pierre Brasseur), um ator; Lacenaire (Marcel Herrand), um ladrão e o Conde de Montray (Louis Salou), um aristocrata. Cada um tem sua personalidade.

Os dois atores competem não só por Garance mas, de certa forma, também na profissão. Baptiste é o sensível, o ator alternativo. Frederick é o ator que almeja ser o melhor, talvez até encenando uma peça de Shakespeare. O embate entre os dois é a gasolina que incendeia o filme e nos permite ver por longos minutos diversas das atuações dos dois ao longo dos anos em que esse filme se passa.  Nesse momento é que nos é explicada a razão do nome do filme o do primeiro "ato". Paraíso é o nome coloquial para o balcão dos teatros onde os homens comuns, humildes, reagiam de forma honesta ao que assistiam. Era para eles que os atores atuavam e esperavam os aplausos, não da aristocracia logo à frente e nos camarotes. Da mesma, Boulevard do Crime não faz referência a um local de criminosos mas sim ao fato de que muitas peças com crimes eram encenadas naquela rua. Esse ambiente e a relação entre atores e platéia é fascinante e toma um considerável tempo das duas partes do filme.

Lacenaire é uma espécie de Han Solo, um malandro que faz qualquer coisa para conseguir Garance e dinheiro, não exatamente nessa ordem. Ele serve como uma espécie de fio condutor da estória e de uma contra-partida ao Conde de Montray, o aristocrata que literalmente compra a fidelidade de Garance, para o desespero de todos.

As cenas de multidão nesse filme, notadamente a bela cena final, se tornam ainda mais impressionantes quando lembramos quando e sob que condições o filme foi feito. Marcel Carné devia ter sido um gênio da manobra política para ter conseguido colocar no celulóide cenas tão impressionantes. Reza a estória que ele teve que colocar lado-a-lado atores e extras judeus com atores e extras alemãs, tudo para conseguir fazer sua obra funcionar. Isso, por si só, é um feito digno de nota. Mas ele ainda conseguiu criar um filme com uma estória envolvente, personagens cativantes e cenas inesquecíveis como a memorável cena em que Baptiste nos é apresentado em pleno palco de rua, revelando um pequeno furto para a polícia sem dizer uma palavra. Simplesmente brilhante!

Garance é uma estória à parte. Normalmente, quando imaginamos uma cortesã  capaz de enlouquecer quatro homens ao mesmo tempo, pensamos em um estonteante e jovem atriz. No entanto, Arletty (nome artístico de Léonie Bathiat), em 1944, já tinha 46 anos. Não era um senhora idosa, longe disso, mas no imaginário de todos, é uma idade, digamos, avançada para todo esse magnetismo sexual que em tese transpiraria dela. Ainda por cima, não se pode dizer que Arletty era exatamente bela. O que fica para nós imaginarmos é que o atrativo dela venha exatamente de sua idade, de sua experiência. O que será que ela já não viu por aí, devia ser a pergunta quicando na cabeça de seus quatro pretendentes. De toda forma, Arletty já um show de sofisticação e de sutileza de atuação. É muito difícil, apenas olhando para ela, compreender exatamente seus sentimentos e esse mistério apenas contribui para o filme.

Em suma, Les Enfants du Paradis é uma obra imperdível que certamente merece notas muito mais altas do que demos abaixo. Portanto, aqueles que lerem essas palavras e não tiverem visto o filme, por favor trate de achá-lo e de assistí-lo já.


Sobre o Club du Film:

Há pouco mais de quatro anos, no dia 28 de dezembro de 2005, eu e alguns amigos decidimos assistir, semanalmente, grandes clássicos do cinema mundial. Esse encontro ficou jocosamente conhecido como "Club du Film". Como guia, buscamos o livro The Great Movies do famoso crítico de cinema norte-americano Roger Ebert, editado em 2003. Começamos com Raging Bull e acabamos de assistir a todos os filmes listados no livro (uns 117 no total) no dia 18.12.2008. Em 29.12.2008, iniciamos a lista contida no livro The Great Movies II do mesmo autor, editado em 2006. São mais 102 filmes. Dessa vez, porém, tentarei fazer um post para cada filme que assistirmos, com meus comentários e notas de cada membro do grupo.


Notas:

Minha: 7,5 de 10
Klaatu: 5 de 10
Barada: 6 de 10
Nikto: 6,5 de 10
Gort: 6 de 10

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