O último post do Club du Film do ano será sobre os três filmes que formam a Trilogia das Cores do diretor polonês Krzysztof Kieslowski. Ele é um dos favoritos dos membros do Club pois, no primeiro livro de Roger Ebert, assistimos a Decálogo, formado por 10 filmes de mais ou menos uma hora cada, representando os 10 mandamentos. Em Decálogo, Kieslowski nos apresenta aos temas de forma obscura na maioria das vezes, tentando fugir ao óbvio. Em determinados filmes fica até impossível entender exatamente que mandamento ele está abordando. No entanto, Decálogo deixa uma coisa evidente: Kieslowski foi um grande diretor e as expectativas para a Trilogia das Cores era, portanto, grande. Fizemos três sessões, uma para cada filme e, da mesma maneira, comentarei, separadamente, cada um dos filmes:
- Trois Couleurs: Bleu (A Liberdade é Azul) - filme de 1993, assistido em 10.12.09:
Bleu estrela Juliette Binoche no papel de Julie, uma compositora que, em um acidente de carro, perde a filha e o marido (também compositor). O filme é pesado e trata de como Julie aprende a viver com a imensa dor da perda. Primeiro ela tenta ver se o sexo resolve mas logo percebe que não. Em seguida, resolve assumir sua identidade de solteira, vender tudo que tem e se mudar para Paris, vivendo a vida da forma mais anônima possível. No entanto, claro, Julie não consegue se afastar completamente do mundo e os acontecimentos ao seu redor.
Kieslowski se esmera em nos apresentar uma atmosfera triste, regada pela cor azul. A luta de Julie para se reerguer depois da tragédia é pontilhada por música. Ela é compositora, seu marido também era e ele estava compondo uma sinfonia para comemorar a União Européia quando faleceu. A música ficou inacabada. Repórteres desconfiam que Julie é uma espécie de ghost writer para o marido. Aliás, os fantasmas do passado é que não faltam à Julie, inclusive uma breve investigação que a leva a descobrir que seu adorado marido não era lá tão santo assim. O que fazer diante disso? Será que a imagem de alguém amado pode ser manchada por um passado condenável? Há espaço para o perdão na cabeça de Julie ou o sentimento de perda de sua família é grande demais. O tema "liberdade" é tratado aqui não da forma óbvia política mas sim na forma de liberdade de se escolher a vida que se quer viver, a liberdade que se pode sentir após escapar da tristeza pela perda.
Nesse filme, Kieslowski faz um sensacional uso da música e do fade out. Em determinados momentos, todos eles envolvendo Julie, a música cresce e a tela fica preta. Em circunstâncias normais, com diretores normais, a cena seguinte seria completamente diferente. Com Kieslowski voltamos exatamente para onde estávamos e o diálogo continua. Considero esse um dos melhores usos trilha sonora que já vi. Fica claro que a música está na cabeça de Julie, que o passado ainda a assombra e que, na verdade, fugir não é a solução.
Aliás, Juliette Binoche está excelente no papel. Ela consegue passar a imagem da esposa sofredoras sem ser piegas, sem chorar, sem demonstrar isso de maneira óbvia. Binoche, como é comum para ela, se mantém com um rosto duro mas em que é possível vermos a melancolia, a tristeza, o passado.
Bleu é um grande começo para a Trilogia das Cores de Kieslowski.
Notas:
Minha: 8 de 10
Barada: 8,5 de 10
Nikto: 8 de 10
Gort (convidado especial): 7,5
- Trois Couleurs: Blanc (A Igualdade é Branca) - filme de 1994, assistido em 22.12.09 (o último filme do quarto ano do Club du Film, pois acabamos, com ele, com 34 filmes, ou seja, exatamente um terço do total de 102 filmes contidos no livro The Great Movies II de Roger Ebert):
Blanc é, para mim, o filme mais fraco da trilogia. Mas isso não quer dizer que o filme é ruim. Apenas que está um pouco abaixo dos demais.
Blanc conta a estória de Karol Karol (Zbigniew Zamachowski), um polonês que há menos de seis meses se casou com a bela francesa Dominique (Julie Delpy). Acontece que Dominique não quer mais nada com Karol pois ele não consegue mais satisfazê-la sexualmente. Um divórcio violento se segue e Karol (um cabeleireiro de profissão) é literalmente jogado na sarjeta de Paris, sem um tostão no bolso, pois Dominique literalmente o destrói. Pedindo esmola no metrô, ele acaba esbarrando com o conterrâneo Mikolaj (Janusz Gajos) que o acaba levando de volta para a Polônia. Lá, Karol começa a planejar sua vingança sobre Dominique.
Vale um parênteses aqui. Karol Karol volta para a polônia de avião dentro de uma mala (!!!). A cena em que Mikolaj o está esperando na esteira de malas no aeroporto é hilária pois, claro, a mala não chega. Ela havia sido roubada pelo próprio pessoal que a transporta, para fins de saque. Mesmo depois de apanhar dos ladrões, Karol agradece olhando para cima por ter chegado de volta em casa.
Karol começa a crescer na vida, investindo em imóveis e, depois, em uma empresa de importação. Com um plano intrincado e criado completamente de improviso, Karol consegue atrair sua ex-mulher para a Polônia. O resto eu não conto pois estraga o filme.
Apesar do tema vingança (a "igualdade", aqui, seria a igualdade de tratamento entre marido e mulher, ou seja, se ela o tratou mal, ele deve tratá-la mal) o filme é uma espécie de comédia de humor negro, uma versão menos exagerada e mais bem feita de A Guerra dos Roses (com Michael Douglas). Os dois têm como objetivo se destruir mutuamente mas Kieslowski nos apresenta ao tema com cenas como essa da mala que contei acima. É a tragédia humana vista pelos olhos desse grande diretor.
Mas o filme se arrasta um pouco e se torna um pouco inverossímil ao final, retirando um pouco o caráter de "realidade nua e crua" que o diretor trouxe em Bleu. Talvez tenha sido esse o objetivo de Kieslowski - provavelmente foi mesmo - mas o fato é que achei que ele destoou um pouco dos outros dois.
Notas:
Minha: 7,5 de 10
Klaatu: 7 de 10
Barada: 7,5 de 10
Nikto: 7,5 de 10
Gort (convidado especial): 8 de 10
- Trois Couleurs: Rouge (A Fraternidade é Vermelha) - filme de 1994, assistido em 29.12.09 (o primeiro filme do quinto ano do Club du Film, inaugurando o segundo terço da lista de filmes de Roger Ebert em The Great Movies II):
Rouge é o mais interessante e o melhor da Trilogia das cores.
Dessa vez, Kieslowski nos leva para a Suíça onde nos é apresentada Valentine, uma bailarina e modelo vivida pela bela Irène Jacob. Por desatenção, ela atropela uma cadela e, ao procurar o dono (apenas chamado de O Juiz, vivido por Jean-Louis Trintignant) descobre que ele vive a vida espionando, apenas por prazer, sua vizinhança. Ela sente ao mesmo tempo repulsa e atração por aquele senhor que, no começo, a trata tão mal. Com o tempo, porém, a atração de Valentine se sobrepões à repulsa e ela passa a tentar entender o Juiz. Há uma tensão sexual entre os dois por todo o filme mas Kieslowski nunca chega a finalizar a questão, tornando o filme ainda mais interessante. Dizem que é aí que o tema "fraternidade" entra mas eu sinceramente tenho dificuldade para aceitar isso.
Mas o que torna o filme realmente sensacional é maneira como Kieslowski trata do passado e do presente por todo o filme. Sem querer entregar o final, pois há um espécie de revelação, Kieslowski conseguiu costurar muito bem a estória de Valentine e do Juiz e uma outra paralela entre um jovem juiz e sua namorada, essa vizinha do Juiz mais velho. Kieslowski entrelaça a vida dos quatro sem que eles nem mesmo se encontrem pessoalmente e, muito naturalmente, lá pelo fim, deixa claro ao espectador o que ele queria dizer mostrando esses dois casais.
O tema, aqui, é muito mais a culpa por atos passados (do Juiz) e presentes (de outros personagens) do que exatamente fraternidade. Mas a fraternidade está lá, até mais explicitamente colocada pela compaixão que Valentine sente primeiro pela cadela (que estava grávida) e, depois, pelo seu dono. Acontece que essa compaixão - e talvez aí eu esteja vendo coisas demais - se torna uma espécie de conexão, de uma relacionamento que poderia ser ou que poderia ter sido. Valentine em muitos momentos é focalizada de forma a mostrá-la como idolatrando o Juiz, às vezes em plano mais baixo que ele, outras vezes somente com o olhar.
As cores em Rouge também têm um papel predominante, assim como em Bleu. O vermelho está em todas, literalmente todas as cenas mas, nem por isso, esse uso me pareceu forçado. Kieslowski conseguiu, com muita naturalidade, trazer peças de vermelho vivo exatamente - eu acho - para demonstrar essa tensão sexual entre os dois protagonistas.
Notas:
Minha: 8,5 de 10
Klaatu: 8 de 10
Barada: 8 de 10
Nikto: 8,5 de 10
Gort (convidado especial): 8,5
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