domingo, 18 de janeiro de 2009

Dose dupla

Imaginem vocês a seguinte situação: Luis Buñuel discutindo com Salvador Dalí o roteiro de filmes. O que poderia sair de uma troca de idéias de pessoas tão inusitadas como essas? Para muitos, só loucuras. Para outros, só loucuras também... 

E foi definitivamente isso que aconteceu em Un Chien Andalou. Revi esse filme recentemente pois ele vinha no mesmo DVD do filme que queria efetivamente ver: L'Age d'Or.

Un Chien Andalou é um filme de 17 minutos cujo roteiro foi criado pelos dois sujeitos que mencionei acima (o primeiro de Buñuel, em 1928). Mas a loucura não é necessariamente uma coisa ruim, como verão. Buñuel e Dalí tinham apenas duas regras para o roteiro desse curta: (1) os dois tinham que concordar com todas as cenas e (2) as cenas não poderiam ser passíveis de explicação racional.

Daí vocês podem ter uma idéia do que saiu: formigas saindo de um buraco na mão de uma pessoa, um homem puxando uma corda a que estão presos dois padres e um piano com dois burros mortos em cima, um olho sendo fatiado por uma lâmina de barbear e por aí vai.

Tentar explicar o filme ou o enredo é impossível. Só vendo mesmo. Para muitos, Un Chien Andalou, tenho certeza, será um porcaria. Entendo perfeitamente essa posição. No entanto, um contexto histórico é importante.

Buñuel e Dalí foram fundadores do movimentos dos surrealistas, que tinha como objetivo perverter a ordem social e chocar o mundo. Conseguiram por diversas ocasiões nas artes. Para se ter uma idéia, como Dalí, em um segundo momento, passou a perseguir a fama e o dinheiro, ele foi "banido" do grupo, ou seja, uma tentativa de se seguir um caminho normal vai contra o espírito do surrealismo.

Un Chien Andalou é o primeiro - e talvez único - exemplo de obra cinematográfica 100% surrealista. Tem que ser "entendida" como 17 minutos de sonhos e devaneios de duas pessoas que, mais para frente, se tornariam gênios em suas atividades. É uma questão de gosto puramente, não de esnobismo, apreciar desse filme. Eu adorei. Entendam como quiser mas vejam o filme.

L'Age D'Or (A Era do Ouro) foi o segundo filme da dupla. Os dois, com o dinheiro de um aristocrata francês chamado Charles de Noailles, que havia adorado Un Chien Andalou, partiram para fazer outra obra surrealista. De Noailles tinha prometido liberdade total à Buñuel e impôs apenas uma condição: que o diretor utilizasse Stravinsky para escrever a música do filme. Buñuel indagou de de Noailles se ele poderia imaginá-lo trabalhando com um "chorão" como Stravinsky (algo que se dizia à época). Buñuel tinha certeza que, com isso, não levaria o dinheiro mas de Noailles, na hora, disse ok, que era para o diretor fazer o que quisesse. 

Foram então Buñuel e Dalí para escrever o roteiro, nas mesmas bases do anterior. No entanto, dessa vez, os dois não conseguiam concordar com nada e um vetava as idéias do outro (queria ter podido ouvir essas discussões...). Assim, Dalí saiu do projeto, apesar de seu nome continuar nos créditos do filme.
Buñuel, então, criou um filme de 1 hora de duração, ainda de veia surrealista, mas com um pouco mais de nexo nas cenas. Para começar, com 1 hora, cada cena poderia durar mais tempo, o que emprestava uma estrutura de estória à obra. As cenas continuam não fazendo muito sentido e não devem ser passíveis de ser efetivamente explicadas mas, por trás, vê-se alguma coisa de narrativa.

Imagens chocantes se sucedem, como os bispos católicos em um rochedo que, depois de mortos, têm seus esqueletos (ainda vestidos e no rochedo) reverenciados pela população; um amor impossível entre um homem e uma mulher, durante um festa, com direito a vaca deitada na cama e beijos da garota em um ancião e, em uma cena devastadoramente doentia - mas érotica - beijos de uma garota no dedão de uma estátua de mármore, como se estivesse fazendo felatio

Mas nada ultrapassa o choque da cena final. Depois de explicar - em intertítulos - que aristocratas chefiados por de Sade haviam feito uma orgia durante vários dias em um castelo, abre-se a porta do local e quem sai de lá é Jesus Cristo. 

Desnecessário dizer, o filme foi banido da França, sendo reapresentado somente em 1980. Os de Noailles quase foram excomungados e Buñuel, com isso tudo, havia conseguido sucesso mais uma vez perante os surrealistas.

L'Age d'Or é brilhante, assim como Un Chien Andalou mas tudo, claro, é uma questão do quanto uma pessoa consegue aturar cenas bizarras em sucessão.

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