sábado, 7 de agosto de 2010

Crítica de filme: Inception (A Origem)

Finalmente um filme que não é continuação, refilmagem ou baseado em estórias em quadrinhos. Se duvidar, deve ser um dos poucos filmes desse ano até agora baseado em roteiro completamente original. É um alívio e uma grande aposta para a Warner que investiu 160 milhões de dólares em um filme sem "platéia embutida", ou seja, sem gente que vai ao cinema por ter gostado da primeira parte, do filme original ou do herói protagoniza o filme.

Mas o dinheiro investido assim, quase que às cegas tem uma razão. Trata-se de um filme de Christopher Nolan, em seu segundo intervalo entre "Batmans". No primeiro, eles nos brindou com o ótimo The Prestige. Agora, ele vem com Inception, um filme que, em certos aspectos, lembra muito sua primeira obra comercialmente bem-sucedida: Memento. Vocês lembrarão que, em Memento, Guy Pierce vivia uma cara com problemas de memória. O grande barato do filme é que ele era, basicamente, contado de trás para frente, algo que não notamos até já estarmos enfronhados no fantástico filme.

Nolan, agora, cria o seu Matrix. A comparação é justa, ainda que Inception tenha, literalmente, camadas e mais camadas de complexidade, como se Neo tivesse a opção de tomar a pílula vermelha, a amarela, a roxa e a verde, todas ao mesmo tempo...

Juntando grande elenco, Nolan nos dá um verdadeiro mindfuck, disfarçado como algo razoavelmente simples e direto como um filme de roubo de banco com um plano complicado. É nas extensas explicações que se encontra o "ponto fraco" desse filme, e eu explico.

O filme conta a estória de Cobb (Leonardo DiCaprio em mais uma ótima atuação), o auto-intitulado melhor ladrão de segredos do mundo. Acontece que não se trata de espionagem industrial tradicional mas sim de furto de segredos diretamente da mente de quem os guarda. Cobb e seu parceiro Arthur (Joseph Gordon-Levitt) entram em um sonho pré-construído em que seu alvo também está e, lá, subtraem os mais bem guardados segredos.

Essa é a idéia geral mas, para ela funcionar para o espectador, Nolan teve que recorrer à longos momentos expositivos, com o objetivo de nos ensinar a entender esse universo que criou. Assim, ele, logo no início, dá um jeito de tornar necessário para Cobb e Arthur a contratação de um novo arquiteto de sonhos, aquele que efetivamente desenha as plantas dos lugares de sonho. Assim, Cobb entra em contato com Miles (seu pai ou sogro, não tenho certeza), vivido por alguns poucos minutos por Michael Caine. Ele é o homem que, aparentemente, inventou o processo de se entrar em sonhos e ele o apresenta à aluna Ariadne (Ellen Page, a menina grávida de Juno). Ela funciona como uma espécie de espectador pois tanto Cobb quanto Arthur passam a explicar em detalhes como funcionam as regras do mundo dos sonhos. A tecnologia em sim nunca é explicada - ainda bem - mas aprendemos coisas como camadas de sonhos, totens, sedativos, labirintos, limbo, projeções, morte no sonho e por aí vai. Parece muito para absorver mas Nolan faz isso de maneira muito didática, mais ou menos como Danny Ocean (George Clooney) explica o roubo do casino em Ocean's 11.

Em seguida, somos apresentados a Eames (Tom Hardy), um forjador de identidades e Yusuf (Dileep Rao), um químico responsável por milagrosas fórmulas sedativas, essenciais para a trama. Eames e Yusuf também funcionam, em determinados momentos, como "professores" para a platéia. Nolan emprega, basicamente, metade do filme para nos ensinar seu mundo para, então, colocar o plano mestre em ação.

E que plano seria esse? Bem, Saito (Ken Watanabe, ótimo, para variar), um multimilionário e alvo de Cobb e Arthur logo no começo do filme, os contratam não para furtar um segredo mas sim para implantar uma idéia na cabeça de  Robert Fischer (Cillian Murphy, o Espantalho de Batman Begins). Essa "inception" é aparentemente impossível mas Cobb acha, até com bastante segurança, que é possível sim e a equipe é montada exatamente para efetivar esse intrincado plano.

Mas, claro, como todo filme de assalto, as coisas não saem exatamente tão tranqüilas como planejado e a equipe, já dentro do sonho, tem que improvisar, especialmente quando dão de cara como o sensacionalmente original "subconsciente militarizado" de Fischer. Ainda, uma das grandes constantes dos sonhos em que Cobb está envolvido é a presença de sua esposa, Mal (Marion Cotillard, linda), que o sabota sempre que pode. Quem exatamente é ela, como ela entra nesses sonhos e porque ela sabota Cobb fica para vocês descobrirem vendo o filme.

O visual de Inception é sensacional. Nolan conseguiu unir, sem falhas, efeitos práticos com efeitos visuais, muita na linha do que já havia feito em seus dois filmes do homem-morcego. Dessa vez, porém, creio eu, Nolan talvez tenha feito sua obra-prima. Não que Dark Knight não seja brilhante, com enorme profundidade de personagens, estória cativante e efeitos de cair o queixo. Mas é que Inception saiu todo ele da cabeça de seu roteirista e diretor. Todo um universo foi criado do nada e explicado de maneira quase que perfeita por Nolan. Digo "quase" perfeita pois a quantidade de diálogos expositivos, como falei acima, é um tanto exagerada.

Mas esse aspecto não detrai do todo. Nolan criou mundos de sonho dentro de mundos de sonho, um completamente diferente do outro e um perfeito encaixe entre um e outro. O filme, por mais que seja complexo, é lógico, bem construído e, dependendo de sua intepretação ao final, completamente à prova de "furos de roteiro". O clímax, envolvendo a queda de uma van de uma ponte, é brilhantemente esticado por uns 45 minutos que, aliás, são de tirar o fôlega. Piscar é perigoso nesse filme!

Aliás, falando sobre o final (sem spoilers, eu garanto) é nesse momento que Nolan joga sua última cartada e nos deixa para decidir o que realmente aconteceu. Logo de cara, antes mesmo de sair do cinema, eu já havia imaginado três possibilidades. Quando cheguei em casa, discutindo com minha esposa, no mínimo mais uma havia sido montada. Na verdade, há possibilidades infinitas, exatamente como um sonho, e Nolan conseguiu criar uma obra que nos força a discuti-la por vários dias depois de vê-la. É um feito sensacional em qualquer época mas especialmente nesse ano, considerando a fraca leva de filmes que tivemos até agora.

Ah, uma última coisa: não reclamem do título em português. Ele está correto, ainda que seja quase um discreto spoiler. Vocês vão entender ao final.

E mais uma coisa: em um sonho, você nunca consegue explicar como chegou onde está...

Nota: 10 de 10

3 comentários:

  1. Antes de assistir a esse filme - no último Natal (acredite!) - só ouvia comentários de que ele era muito confuso, que eu não entenderia nada e que o final não explicava nada. Tirando o final, que realmente cada um entende da forma que quer, eu (acho que) entendi tudo, e aí me perguntei se eu tinha entendido tudo errado. Mas depois de ler a sua crítica eu percebi que o filme não é tão difícil de entender mesmo, o povo que tem preguiça de pensar...

    ResponderExcluir
  2. ja vi o filme 4 vezes e ainda me questiono se no final era mesmo a vida real o reencontro com os filhos ou se não era apenas cobb no limbo mas perdido do que nunca esteve antes, e enfim em um sonho que ele podesse aceitar como uma boa realidade..

    ResponderExcluir
  3. Fica a seu critério se era o mundo real ou não, vc acha que o toten girando na mesa ia parar ou não ia?

    ResponderExcluir

Pensem antes de escrever para escreverem algo com um mínimo de inteligência. Quando vocês escrevem idiotices, eu apenas me divirto e lembro de Mark Twain, que sabiamente disse "Devemos ser gratos aos idiotas. Sem eles, o resto de nós não seria bem sucedido."