A Noviça Rebelde - o musical de teatro - estreou por aqui com grande estardalhaço. Fiquei com um pé atrás (os dois para dizer a verdade). Não foi pela obra em si, pois adoro o clássico filme de 1965, estrelando Julie Andrews e Christopher Plummer (eu sei, eu sei, A Noviça Rebelde, antes de ter sido filme, era um musical da Broadway mas a peça montada no Brasil sem dúvida é uma adaptação do filme e, além disso, foi com o filme que Maria, o Capitão e as crianças von Trapp ficaram conhecidas mundialmente). Estava era receoso com a versão para o português das imortais canções de Rodgers e Hammerstein.
Assim, achando que não iria gostar do espetáculo, fui assisti-lo.
Ainda bem que, dessa vez, eu estava completamente errado. E vamos às razões:
1. O cenário:
Os produtores - Charles Möeller e Cláudio Botelho - aparentemente fizeram de tudo para colocar o que há de melhor nos cenários. O efeito dos alpes austríacos ao fundo é muito bem feito, o convento tem detalhes impressionantes e a mansão dos von Trapp é perfeita em tudo, seja o quarto de Maria, seja o terraço ou o salão principal.
E os produtores também não economizaram nos efeitos especiais, projeções em telão e iluminação. Todos esses fatores colocam essa montagem de A Noviça Rebelde no mais alto nível Broadway-sytle.
2. Os figurinos:
Fidelíssimos ao filme, os figurinos são muito eficientes, detalhados e correspondentes à época em que se passa a estória (1938).
3. O elenco:
Nenhuma peça é perfeita e, ainda que eu tenha muitos elogios ao elenco, vou começar pelas minhas implicâncias.
A primeira delas é a escalação de Herson Capri para o papel do Capitão Von Trapp. Não que ele não tenha o tipo necessário para o papel. Isso ele tem e evoca bem Christopher Plummer. O problema é quando ele abre a boca para cantar. Os produtores e os diretores da peça tomaram uma sábia decisão ao impedir que ele tivesse muitos números e, quando tem, é logo acompanhado em coro pelas crianças e por Maria. Isso diminui o efeito do serrote atravessando seu cerébro, que é o que senti quando ele entoou as primeiras notas...
O outro problema é Fernando Eiras, que faz Max, o produtor musical que quer levar as crianças para cantar no festival. No filme, Max é, digamos, excêntrico mas não um cara que solta plumas e paetês por todos os lados. Não estou cobrando fidelidade total ao filme mas é que essa "modernização" ficou forçada e não agrega absolutamente nada à peça. É aquele velho ditado: para que consertar algo que está funcionando?
Bom, minhas reclamações acabaram. Os demais do elenco - a Madre Superiora, as crianças, as freiras, a Baronesa, para citar alguns - são todos muito bons e cumprem bem o seu papel.
Mas o destaque mesmo vai para Kiara Sasso. Além de bonita com Julie Andrews era, ela sabe cantar e atuar perfeitamente, com uma presença de palco emocionante. Obviamente, ajuda o fato de ela ter o melhor papel mas isso não desmerece sua capacidade de atuar e de se tornar, sem esforço, o centro das atenções mesmo quando está compartilhando o palco com quase todo o elenco ao mesmo tempo.
4. A adaptação;
Pode ser que essa peça acompanhe os atos e a ordem da peça que antecedeu o filme e eu não saberia afirmar isso. De toda forma, adaptação é adaptação e, como tal, tem várias cenas abreviadas, colocadas fora de ordem e bem alteradas em relação ao filme. Isso não é um problema. Na verdade, dou parabéns aos produtores e roteiristas por fazerem isso. A pior coisa que tem é uma adaptação que tenta ser literal demais em relação à sua fonte.
Algumas das modificações mais claras são as que seguem: (1) a Baronesa não acaba com o Capitão por conta de ciúmes mas sim por desentendimentos políticos; (2) a cena da tristeza das crianças com a ausência de Maria, que no filme é representada por um malicioso jogo de bola "contra" a Baronesa, na peça é um melancólico ensaio com Max; (3) a cena de convocação do Capitão para fazer parte da marinha nazista, sua tentativa de fuga frustrada e sua decisão de cantar junto com a família no festival é uma coisa só, em um cenário só, sem uma real tentativa de fuga e, finalmente, (4) Rolf, o namorado de Liesl, revela-se leal à ela no final, e deixa a família fugir.
Em minha opinião essas alterações, que podem ser consideradas "mais drásticas", e outras menores como trocas na ordem das músicas, enxugamento de cenas e a inclusão de dois números musicais que não fazem parte do filme (mas sim da peça original) para permitir que Max e a Baronesa façam duetos, não atrapalham a estória. Ao contrário, elas muito contribuem para a fluidez do texto. A única pequena cena do filme que eu colocaria de volta na peça é a dos "pecados" cometidos pelas freiras ao final, quando retiram peças dos carros dos nazistas. Mas eu entendo que sua inclusão necessitaria mais cenários e a manutenção de Rolf como um nazista fanático.
5. As canções:
E o meu grande medo sobre a peça se dissipou quando vi os atores cantando suas canções. Sempre detestei dublagens e versões para línguas não originais. E não era só da língua original para o português mas também vice-verso. Se o filme é coreano, eu assisto em coreano com legendas em português ou inglês mas ver dublado nunca. Quando minhas filhas passaram a ter idade para ir ao cinema, fui forçado a assistir versões dubladas de desenhos nos cinemas e em DVD e meu preconceito foi reduzindo. No entanto, canções dubladas eram o fim da feira e, até hoje, um tabu.
Esse montagem de A Noviça Rebelde me fez mudar novamente e descobrir que uma versão bem feita é tudo que é necessário para tornar as canções bem aceitáveis. É bem verdade que "Do-re-mi" - talvez a mais icônica canção dessa obra - é extremamente complicada de se verter para outra língua. Mas, apesar da versão em português não fazer exatamente muito sentido, ela ficou bem simpática. Vejam só o refrão com meus comentários entre parêntese:
DO é pena de alguém (essa passa)
RE eu ando para atrás (forçado mas vai)
MI assim eu chamo a mim (no limite)
FA de fato eu sou capaz (menor sentido)
SOL que brilha no verão (essa passa e é bem óbvia)
LA é lá no cafundó (hummm, sei não)
SI indica condição (indica que o tradutor se esforçou)
e de novo vem o dó oh oh oh
O mesmo se dá com as demais canções da peça. Todas muito bem traduzidas e bem cantadas.
Em suma, uma grande peça, que definitivamente merece ser vista por quem gosta do filme de 1965.
Nota: 9 de 10
Estou tristíssimo por não ter sido convidado ;-)
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