quarta-feira, 29 de julho de 2009

Crítica de filme: Let the Right One In (Deixe Ela Entrar)


Esse filme sueco de 2008 foi uma sensação internacional e, como de costume, já está sendo refilmado nos Estados Unidos, para lançamento previsto em 2010. Certamente tudo que de bom há com o original será perdido na refilmagem mas c'est la vie.

Em um subúrbio de Estocolmo, vive um menino de 12 anos chamado Oskar (Kare Hedebrant), muito pálido, fruto de um lar com pais separados e alvo de perversidades dos valentões de sua escola. Ele é sozinho até que repara que um senhor, junto com uma menina da sua idade, se mudam para o apartamento ao lado. O nome dela é Eli (Lina Leandersson), também solitária. Os dois se encontram no playground gelado do conjunto habitacional sem graça onde vivem e logo criam laços de amizade.

Ao mesmo tempo, descobrimos que o senhor que vive com Eli tem o hábito de assassinar pessoas para retirar seu sangue. Após seu mais recente assassinato, ele é quase flagrado por duas mulheres e tem que sair correndo sem levar o sangue que havia recolhido.

Apesar de desde o começo nós espectadores termos notado algo estranho com Eli, só quando a vemos sentir fome por que o senhor que cuida dela não trouxe o sangue de volta é que começamos a efetivamente acreditar no que ela é. A confirmação vem quando Eli, desesperada de fome, ataca um homem embaixo de uma ponte para sugar todo seu sangue.

É, Eli é definitivamente uma vampira e o senhor que vive com ela é seu guardião/serviçal.

Mas o que faz esse filme ser diferente e melhor que a maioria dos filmes de vampiro atuais, é a forma que o assunto é tratado. Eli é solitária mas precisa de um guardião para sobreviver. Seu guardião já está velho e falha muito. Ela encontra Oskar e certamente sente alguma atração por ele. Mas será que o que sente é 100% genuíno? Será que não está tentando atrair Oskar para sua armadilha e convertê-lo em seu futuro guardião?

O filme não tem respostas fáceis. É uma estória de amor e amizade com certeza. Eli, em algum momento, provavelmente teve sentimentos pelo seu idoso guardião mas, agora, ele está perdendo sua função. Oskar pode ser uma boa substituição. O garoto basicamente não tem para onde vir e, como fica claro logo no começo do filme, ele tem alguma compulsão por morte: sua primeira frase no filme é "Grite como um porco", enquanto simula com uma faca algumas estocadas em uma árvore. Ele também tem o hábito de guardar reportagens de jornal em que assassinatos são discutidos. Estranho para um garoto de 12 anos mas muito conveniente para uma vampira da mesma idade na aparência.

Mas também é evidente que Oskar realmente passa a gostar de Eli e é bem possível que ela tenha sentimentos verdadeiros por ele. O filme pode ser uma estória de amor (impossível?) verdadeiro e que tudo que mencionei acima esteja em minha imaginação. Você escolhe. O final também, pode ser feliz ou triste, dependendo de sua interpretação. É essa ambiguidade, representada também pela pergunta recorrente de Eli a Oskar: "Você gostaria de mim mesmo que eu não fosse uma menina?", que retira o filme da vala comum.

Aliás, interessante essa pergunta, não? Mais interessante ainda é o que ela deixa no ar e no que somos levados a crer por uma inteligente cena de um microsegundo mais para o final do filme que não revelarei aqui para não induzir ninguém a pensar uma coisa ou outra.

E, mesmo com essa ambiguidade toda, Let the Right One In não deixa de ser um filme de horror, com boas doses de sangue. Não tem nada gratuito e o sangue não jorra aos litros mas as cenas são perturbadoras o suficiente para ficar na mente muito tempo depois do final do filme. A cena final, em uma piscina, é o ápice do minimalismo e é brilhantemente executada. Tenho certeza que, na versão americana, tudo que fica para a imaginação nesse final, será mostrado em detalhes, com muita computação gráfica.

Outra escolha excelente do roteiro, vale dizer, é a manutenção dos mitos formadores das lendas dos vampiros, especialmente aquele que diz que um vampiro só pode entrar em algum lugar se for convidado que, aliás, inspira o nome do filme. Alguém alguma vez parou para pensar no que aconteceria com um vampiro se ele entrasse sem ser convidado? Pois bem, nesse filme vemos uma das possíveis respostas.

Let the Right One In é um filme de vampiros no meu estilo: pessoas normais, atuando normalmente, dentro do que é possível para um vampiro, claro. Near Dark, uma pérola vampiresca esquecida, é o que me veio à cabeça assim que acabei de assistir as desventuras da pequena Eli.

Pena que seja necessário fazer tanta porcaria para que se chegue a dois ou três filmes de vampiro que se salvem...

Nota: 9 de 10

4 comentários:

  1. Saudações Ritter, como vai?

    Parabéns pelo seu blog de crítica de cinema. Eu o encontrei por intermédio do google e gostei muito da sua crítica a este último produzido por Matt Reeves

    Eu assisti à refilmagem , Let Me In, e também fiquei muito surpreso por, tal como sua opinião, ser tão boa quanto ao filme original (o sueco, "Deixa Ela Entrar", que assisti no final de 2009 e que considero, como você, o filme de horror da última década)

    Concordei com todos os seus pontos de vista com relação ao filme norte-americano e gostaria de falar a respeito da sutil referência à sexualidade de Abby, motivo pelo qual lhe escrevo: Realmente no remake a referência à sexualidade de Abby pode passar completamente despercebida ao expectador; o mesmo pode desconfiar de algo quando Abby, em duas ocasiões, diz a Owen que não é uma garota

    Contudo a cena do filme original, onde Eli aparece nua e Oskar vê a estranha cicatriz horizontal no lugar de uma genitália de uma jovem garota, foi omitida no remake. Acredito que Matt Reeves omitiu em parte essa cena de nudez devido ao perfil moralista do público norte-americano que provavelmente a reprovariam por envolver jovens pré-adolescentes

    Pela falta desta cena no remake, fiquei procurando outra possível e sutil referência à sexualidade de Abby, com exceção daquela onde Abby nega a Owen que não é uma garota, e me restou apenas uma observação que achei pertinente: aquela cena onde Owen recolhe as roupas ensanguentadas de Abby, durante a visita dela à sua casa onde ela entra sem o seu convite, e ele percebe uma mancha de sangue no sentido horizontal na calça de Abby

    É essa cena mesmo que apresenta a sutil referência ou tem outra mais que não consegui observar?

    Um abraço Ritter, continuarei lendo o seu blog e continue escrevendo, pois gosto dos seus comentários

    Sérgio Cardoso

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  2. Sérgio, obrigado pelo elogios e pelo comentário. Fico feliz que tenha gostado do que escrevi.Sinta-se à vontade para visitar o blog e comentar sempre que quiser, inclusive - e talvez especialmente - se discordar de alguma coisa que eu falei. Pelo seus comentários, noto que o que você escrever sempre será interessante, diferentemente de alguns comentaristas que aparecem por aqui para falar incríveis besteiras (veja os comentários em Ninja Assassin para você entender o que quero dizer).

    Bom, sobre sua pergunta, essa cena em que Owen recolhe as roupas de Abby contém uma passagem muito rápida em que ele vê de relance a menina nua. Nós, espectadores, não vemos nada a não ser a reação nos olhos do garoto. O olhar de Owen não é olhar de um garoto que vê pela primeira vez a nudez feminina mas sim o olhar de alguém que viu algo muito errado.

    Para mim, isso, somado com os comentários dela sobre se ele gostaria dela se não fosse uma garota, criam ambiguidade suficiente para nos deixar com a pulga atrás da orelha.

    Concordo que o filme não deixa claro mas eu gosto dessa dúvida. Mesmo no original, quando aparece a cena, eu acabei o filme ainda com um pingo de dúvida. No remake, a dúvida fica ainda maior e, talvez, ainda mais interessante.

    Mas, sem dúvida, Matt Reeves não colocou essa cena para não ferir o perfil moralista do público norte-americano, como você bem coloca. Para mim, porém, essa omissão torna a questão ainda mais intrigante.

    Abraço!

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  3. Boa tarde,

    Parabéns pelo blog e pela qualidade da análise. Assisti ao filme ontem a noite, na Sky e até o momento não me sai da cabeça. Muito bem filmado, com roteiro soberbo e com o casal de atores mirins extraordinários, de colocar no chinelo os teens americanos. Apreciei a ambiguidade da vampira como sendo a ambiguidade sexual de uma outra espécie. Como se sabe, a não ser nos romances malucos de hollywood, vampiros são sempre ambiguos quanto à sexualidade.

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  4. Alexandrey, obrigado pelos elogios. Fico feliz que tenha gostado do que escrevi e, principalmente, do filme. Procure ver o remake americano também que é bem bacana.

    Sobre a ambiguidade, ela reina no filme e concordo com você que vampiro que é vampiro tem realmente esse aspecto muito presente.

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Pensem antes de escrever para escreverem algo com um mínimo de inteligência. Quando vocês escrevem idiotices, eu apenas me divirto e lembro de Mark Twain, que sabiamente disse "Devemos ser gratos aos idiotas. Sem eles, o resto de nós não seria bem sucedido."