segunda-feira, 9 de abril de 2012

Crítica de livro: A Game of Thrones - A Song of Ice and Fire, Book 1 (A Guerra dos Tronos - As Crônicas de Gelo e Fogo - v. 1)

Da última vez que caí na armadilha de ler estórias em vários volumes que se passam em universos de fantasia, eu me arrependi. Foi o caso dos sete livros que compõem a saga A Torre Negra, escritos por Stephen King. No entanto, ano passado, com todo o rebuliço em torno da adaptação de A Guerra dos Tronos em série de televisão e o consequente sucesso alcançado, acabei me convencendo de ler o livro, deixando a série televisiva para um segundo momento (estou assistindo a primeira temporada agora e comentarei em breve).

Pouco sabia da série escrita por George R.R. Martin antes de ler sobre a série de televisão. Quando finalmente decidi ler, ainda antes da série ser lançada, tentei - com sucesso - me esquivar de quaisquer spoilers que semanalmente saíam nos mais variados sites. Assim, respeitando meus leitores, essa crítica, como quase todas as que faço aqui, será livre de spoilers. Quem não leu ou viu a série, podem ler meus comentários com tranquilidade.

A Guerra dos Tronos foi lançado nos EUA em 1996 e faz parte do gênero literário intitulado high fantasy, que se caracteriza por obras de escopo épico que se passam em mundos paralelos. São exemplos desse tipo de fantasia obras como as de J. R.R. Tolkien (O Hobbit, a trilogia O Senhor dos Anéis e as demais obras no universo da Terra-Média), C.S. Lewis (As Crônicas de Nárnia) e, claro, a já citada obra em sete partes de Stephen King. Imaginada primeiro como uma trilogia, As Crônicas de Gelo e Fogo, da qual A Guerra dos Tronos é o primeiro volume, é hoje composta de cinco volumes (o quinto, A Dance with Dragons, foi lançado em 2011), com mais dois prometidos pelo autor.

A estória se passa nos continentes fictícios de Westeros e Essos. Westeros é um continente composto por Sete Reinos, todos eles comandados por um rei, Robert Baratheon. Essos é composto de "cidades livres" e pradarias onde bárbaros nômades conhecidos como Dothraki gostam de cavalgar e de pilhar. A Guerra dos Tronos se passa entre esses dois continentes que lembram muito uma combinação de vários países durante a Idade Média.

A Guerra dos Tronos conta três estórias paralelas mas interconectadas sob o ponto de vista de oito personagens diferentes. A primeira das estórias, onde o livro começa, é na Muralha, uma parede congelada gigantesca no extremo norte do território de Westeros e guardada pela Patrulha da Noite, um grupo de soldados sem alianças a reis específicos que vivem unicamente para defender Westeros de ameaças do misterioso norte congelado, ameaças essas que só sobrevivem por meio de lendas. O prólogo do livro se passa nessa região inóspita e nos mostra que há algo muito estranho acontecendo por lá. Mas, aqueles que torcem o nariz para elementos sobrenaturais, não se preocupem, pois A Guerra dos Tronos tem raízes muito sólidas na "realidade", com apenas pitadas de elementos fantásticos (pelo menos nesse primeiro livro).

A segunda estória se passa entre os vários reinos que compõem Westeros, especialmente Winterfell, comandada por Lord Eddard "Ned" Stark, da casa Stark. Winterfell é o reino mais próximo da Muralha e é o que vive em condições mais precárias pois, apesar de ainda ser verão, o local é sempre frio. Além disso, Ned Stark sempre vive preparado para o pior pois o lema de sua família é "o inverno está chegando" e o verão de 10 anos está acabando, o que significa que um longo inverno - de talvez uma geração - esteja realmente chegando. Ned vive uma vida relativamente tranquila (apesar de dura) e tem cinco filhos com Catelyn, sua esposa: os meninos Robb, Bran e Rickon e as meninas Sansa e Arya. Além disso, ele tem um filho bastardo de uma "escapulida" há muitos anos, chamado Jon Snow, que é criado normalmente junto com seus filhos, ainda que não tenha direito ao nome, títulos e bens da família Stark.

Essa aparente tranquilidade começa a mudar quando Ned e seus filhos encontram um mitológico animal chamado direwolf (não muito diferente de um lobo bem fermentado e símbolo da casa Stark) morto depois de uma briga com um cervo (símbolo da casa Baratheon, do rei). O animal deixa, então, 6 filhotinhos que, claro, são distribuídos para cada um de seus filhos. Devo confessar que esse começo, com uma profecia tão escancarada, me incomodou muito, mas o livro fica muito melhor a partir daí.

Tudo complica de verdade quando chega a notícia que Jon Arryn, a "mão" do rei (seu principal conselheiro) morreu e que o próprio rei está se dirigindo para Winterfell, com toda sua comitiva real. Ned e Robert têm uma rica e antiga estória de amizade e de guerras e Ned sabe que Robert está se dirigindo para Winterfell para pedir que ele seja a nova mão do rei, o que significa que Ned terá que se mudar para a capital, King's Landing, no sul de Westeros. Tudo seria ótimo e maravilhoso não fosse a família Lannister, da qual Cersei, a esposa do rei, faz parte. Cersei, fica logo claro, não é flor que se cheire e Ned tem que lidar com um jogo político (ou um "jogo de tronos" como diz o título) que ele não domina. A família Lannister, cujo símbolo é um leão, também é composta de Jaime e Tyrion, irmãos de Cersei. Enquanto o primeiro é um exemplo de beleza física e destreza em combate, o segundo é um anão sem muita habilidade com instrumentos mortais. No entanto, Tyrion é incrivelmente culto, inteligente e esperto e sua fidelidade não jaz cegamente com a de sua família, o que o torna o personagem mais interessante do livro.

E, finalmente, a terceira estória se passa em Essos, onde vemos o casal de irmãos Viserys e Daenerys, os últimos descendentes da família Targaryen (cujo símbolo é um dragão) que reinou em Westeros até ser deposta e quase que completamente aniquilada por Robert (que virou rei), Ned (que voltou para Winterfell) e pela família Lannister (que comanda o reino de verdade, usando de seu vasto poder financeiro). Viserys tem só um desejo: reunir um exército, invadir Westeros e retomar o Trono de Ferro (símbolo do reinado, composto de instrumentos de guerra dos derrotados). Para isso, ele não tem o menor pudor em literalmente vender sua irmã para ser a esposa de Khal Drogo, um brutamontes chefe de uma das tribos nômades bárbaras que formam os Dothraki. O objetivo, claro, é usar os Dothraki para dominar Westeros.

Mas há muitos e muitos outros personagens que não cabem aqui comentar. Alguns são muito bem desenvolvidos, outros estão lá para figuração. O que fica evidente logo de cara é que George R.R. Martin tem uma grande habilidade e domínio de seu texto, equilibrando com maestria não só o quanto de atenção cada personagem recebe mas, também, o quanto de mitologia ele insere na trama. Como é comum nesse gênero literário, há um gigantesco (milenar mesmo) histórico de eventos por trás do que se passa no livro. São deuses antigos, deuses novos, invasões, mortes, assassinatos, reinos que surgem e desaparecem, tudo para dar solidez ao que é descrito no livro, ou seja, algo que justifica e torna "real" o presente que é tratado na obra. Não vi, pelo menos nesse primeiro livro, aquela profundidade mitológica que encontramos nas obras de J.R.R. Tolkien mas é algo muito parecido e George R.R. Martin merece aplausos com o que consegue fazer.

O que ajuda muito na narrativa foi a escolha de como fazer os capítulos. Martin, diferente da maioria dos autores, no lugar de eleger uma narrativa em terceira pessoa ou até em primeira pessoa, literalmente como se um narrador de fora ou de dentro da estória estivesse contando a estória, decidiu escrever a partir do ponto de vista de oitos personagens (Ned, Catelyn, Bran, Sansa, Arya, Jon, Tyrion e Daenerys) em rodízio. Isso não só cria narrativas diferentes a cada capítulo, o que quebra a possível monotonia de uma narrativa constante em terceira ou primeira pessoa, como permite que elementos da mitologia e impressões de cada personagem sejam embutidos na estória sem que as coisas pareçam forçadas.

Esse livro, na versão impressa, tem mais de 700 páginas, mas elas passam com bastante fluidez, ainda que seja necessário parar para lembrar de alguns nomes aqui e ali. Há necessidade, também, de um certo grau de perseverança para "quebrar a barreira" das primeiras 50 ou 100 páginas, quando Martin nos apresenta o be-a-bá de seu universo. Mas as recompensas valem e muito a tentativa. E o mais interessante é que, além das detalhadas - e obrigatórias - cenas de violência medieval (até cabeças de cavalo são cortadas com um golpe de espada), há também algo que pouco é abordado nesse gênero literário: sexo. E o melhor é que não é aquele sexo gratuito, desconectado da estória. As narrativas sobre o ato sexual - algumas violentas, outras não - estão perfeitamente encaixadas no contexto, sendo necessárias mesmo, especialmente quando Martin trata da relação entre Daenerys e Khal Drogo.

E o mais impressionante nisso tudo é que, apesar da complexidade das tramas, da quantidade de personagens e de locais, Martin desenvolve a estória de maneira muito natural e crível - mesmo quando trata de assuntos sobrenaturais que, como disse, têm presença muito discreta nesse livro - sem fazer concessões. Assim, fica um aviso para quem não leu: apegar-se a algum personagem nessa série é algo perigoso pois, navegando contra o que se faz por aí, George R.R. Martin não vai manter um personagem na trama só porque ele pode ter agradado ao leitor. Preparem-se para deixar seu queixo cair.

Nota: 9 de 10

17 comentários:

  1. A série, por si só, é genial. Acabo não esperando menos do livro. Me interessei e tratarei logo de adquiri-lo. Abraços!

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  2. A série de livros é muito boa!
    O primeiro livro te introduz um universo muito interessante e no final abre o leque de possibilidades.

    Bem gostaria de ler seus comentários sobre os outros livros da série. E também gostaria de ler seus comentários sobre a série de quadrinhos SANDMAN que dispensa apresentações...

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  3. @ Thiago Lumi 7 - O único problema de ler o livro depois da série é que a série é tão igual ao livro que você não terá quase surpresas. Mas vale ler sim.

    @ dd - Vou publicar meus comentários sobre os outros livros assim que eu conseguir le-los. Ainda estou acabando o segundo...

    Sobre Sandman, devo confessar que nunca li mas que o volume 1 da versão Absolute em inglês está na minha mesa de leitura me esperando... Vou tentar arrumar um tempo para ler...

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  4. Achei que já tivesse lido, é MUITO bom, faça um favor a você mesmo e leia. Na minha opinião é melhor do que o Fábulas. E eu adoro Fábulas, sinceramente comecei a ler fábulas depois de ler sua crítica sobre o primeiro grande arco, já tinha ouvido comentários bons, mas foi a sua crítica que me convenceu a ler de fato.
    Acompanho o seu blog já faz um tempo como deu pra perceber, porém só agora resolvi comentar.

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  5. Eu assisto a série e tava na duvida sobre ler ou não os livros.
    Tua critica me fez ficar curiosa! vou comprar hoje mesmo

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  6. @ Danilo Pontes - Antes de mais nada, obrigado por prestigiar meu blog, especialmente considerando que você o acompanha há tanto tempo! Por favor, comente sempre que puder/quiser, mesmo que seja para discordar comigo.

    Sobre Fábulas, fico feliz que você tenha sido influenciado por mim a começar a ler e que tenha gostado. Tenho que voltar a ler essa série...

    Sobre Sandman, agora é que vou tirar ele da pilha de "para ler" e dar preferência. Se tiver outras sugestões, estou de olhos abertos!

    @ Unknown - Vale a pena ler. A única ressalva que faço é que, como você já assistiu a série, não vai encontrar muitas surpresas no livro. Mas divirta-se!

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  7. Comecei a acompanhar o seu blog quando estava vagando pelo google atrás de críticas sobre os Sopranos li sua crítica e comprei a série completa em dvd's, isto foi no final de 2010. Então vi as críticas sobre Fábulas e comecei a acompanhar o blog.
    Gosto muito das suas críticas.

    Do próprio Neil Gaiman tem um romance sensacional o "American Gods", no âmbito de mitologia, crenças e misticismo o Gaiman é o autor que eu mais gosto e um dos mais eficientes na minha opinião.
    Tem outros trabalhos dele que valem muito a pena mas Sandman seguido de American Gods são os melhores trabalhos dele.

    Do Martin comecei a ler o Festim dos Corvos da Editora Leya, estou gostando bastante da série, porém o terceiro livro é de longe o melhor até agora.

    Olha de quadrinhos acho que tem um que vale a pena ler antes de assistir os vingadores que são os dois primeiros arcos dos Supremos, ou em inglês THE ULTIMATES, que são a versão "ultimate" dos vingadores. Se for ler certifique que são do Mark Millar, depois que ele saiu a série virou uma zona.

    Bem, vou começar a comentar então...

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  8. Olá, sou o "anônimo" que comentou sobre o "dear zachary". Infelizmente os comentários anteriores foram anônimos. Peço desculpas.

    Sobre o livro, tb gostei bastante. Porém, as articulações macros utilizadas em todo o livro não me agradaram. Destoa da qualidade da estória e acaba comprometendo a fluidez que esse tipo de livro necessita. Não sei se é culpa dos responsáveis pela tradução, e aí seria (na verdade) uma crítica à equipe de tradução. Preciso achar um original em inglês.

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  9. @ Danilo Pontes - São comentários como os seus que me deixam "metido a crítico" e que fazem valer a pena escrever minhas críticas.

    Sobre American Gods, coloquei na minha lista de "a ler". Mas vou começar pelo Sandman pois, como já disse, a versão "Absolute" me olha toda hora que vejo minha estante de livros...

    Sobre os arcos de Ultimates, eu já os li. São realmente muito bons. Valeu pela dica.

    @ Henrique - Obrigado por comentar. Devo confessar que passei tão batido pelo livro, tendo em vista minha incapacidade de largá-lo, que não fiquei muito incomodado com essa característica. Mas, de fato, ela está lá (e eu li em inglês, então posso dizer que não vai melhorar muito). A estrutura de capítulos proposta pelo autor é muitíssimo interessante mas acaba gerando essa deficiência que, aliás, estou sentindo no segundo livro.

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  10. Já estava afim de ler, agora ainda mais.
    Quando terminar os que tão na minha sequência de leitura vou arranjar uma forma de ler essa série que todo mundo fala bem.
    É sério cara, nunca vi ninguém falar mal desses livros nem da série.
    Parabéns pelo blog e pela crítica ;D

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    1. Obrigado, Wesley. Acho que você vai se divertir com esse livro.

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  11. Achei seu blog procurando críticas sobre estes livros; não os li ainda, mas o farei. Estou primeiro terminando a trilogia do Del Toro.
    .
    Alguém havia me falado que o autor vai escrevendo sem muito planejamento. Você concorda?
    .
    Eu e meu marido estamos assistindo à segunda temporada da série. Muito bacana.

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  12. começo a ler essa semana, a primeira temporada da série eu assisti. Só não concordo em você comparar Martin com Tolkien. Mas a critica está ótima!

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  13. COmprei os 5 de uma x em promoção, me saíram a 99,00 e vou começar a ler o primeiro agora, me arrependi de ter visto a série... rs

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  14. Bem, vamos lá. Os livros de G.R.R Martin não são fantasia. Tem uma coisinha aqui e acolá mais não é fantasia como Tolkien e Lewis. O sexo das obras é de dar nojo ao imaginar que aquilo saiu da cabeça de um escritor...Martin apelou pro sexo esplícito para atrair fãs. Temos um mundo plano e sem profundidade...Martin é egocêntrico podemos ver isso na mídia.
    Quanto á literatura, é muito boa sim, diferente de Tolkien, mas escrever em 1 pessoa não traz um aspecto de epopéia á obra. Originalidade? Sim, mas em alguns casos lembamos de O senhor dos Anéis e isso icomoda qualquer um que tenha lido a trilogia integra e épica. Repito: Nunca Martin será como Tolkien. Ele tem talento sim, mas não trata seus leitores como filhos.

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  15. Este comentário foi removido pelo autor.

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  16. A rapidez com que o tempo passa, quase a sexta etapa. Não é segredo que "Game of Thrones" é uma série controversa. E é que a partir do primeiro capítulo, a série da HBO popular, baseado na série de livro inacabado G.R.R. Martin, é notável para colocar o espectador em uma posição de efervescência contínua, onde drama político é o prato principal, temperada com uma forte dose de sexo e violência, nada moderado. Por quatro temporadas a fórmula funcionou como um encanto, mas para a quinta temporada, os números não aumentou em seu ritmo habitual. Estamos dentro de dias após o lançamento da sexta parcela, uma época em que, finalmente, vai anunciar o destino de Jon Snow, é verdade? e, finalmente, deixar de dar muitas voltas à história, é só esperar e ver o que nos oferece esta nova trama.

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Pensem antes de escrever para escreverem algo com um mínimo de inteligência. Quando vocês escrevem idiotices, eu apenas me divirto e lembro de Mark Twain, que sabiamente disse "Devemos ser gratos aos idiotas. Sem eles, o resto de nós não seria bem sucedido."