terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Crítica de teatro: War Horse (Broadway)

Tive a oportunidade de assistir à War Horse na Broadway, peça baseada no livro de criança de mesmo nome por Michael Morpurgo. Meu interesse inicial se deveu ao fato de que War Horse seria em breve adaptado para o cinema por Steven Spielberg (o filme estreou nos EUA em dezembro passado e será lançado no Brasil na próxima sexta-feira, dia 06 - aguardem minha crítica) . Em seguida, descobri que os cavalos do filme eram marionetes manipuladas por atores e não monstruosidades mecânicas modernas ou estilizações exageradas como na peça O Rei Leão, também encenada na Broadway. Esses dois fatores, em conjunto, atiçaram minha curiosidade.


Em primeiro lugar, cabe um pequeno reparo. Ainda que, tecnicamente, essa peça seja "da Broadway", ela, para começar, foi encenada pela primeira vez em Londres, em 2007. Aliás, essa é a origem de muitas peças que acabam se tornando conhecidas como "da Broadway". Com o sucesso londrino, a peça foi montada também em Nova Iorque, em 2011, no teatro Vivian Beaumont que, por ser no Lincoln Center, não tem - ainda bem - a menor cara de Broadway tradicional. Além disso, a peça não é um musical, o que a torna ainda menos característica com uma peça "da Broadway".

Feitos esse comentários, que servem para diferenciar War Horse de super-mega produções da Broadway da maneira que estamos acostumados a ouvir falar, vamos à estória. Em Devon, Inglaterra, pouco antes da Primeira Guerra Mundial, um menino (Albert Narracott) passa a cuidar de um potro que ele nomeia Joey. O cavalo, comprado em circunstâncias complicadas envolvendo a bebedeira do pai de Albert, é um cavalo de corrida, não de arado, como a família precisava. Albert, então, tem a missão de transformar um belíssimo cavalo de corrida em um cavalo para atividades em uma fazenda. No entanto, com o começo da guerra, o exército britânico passa a comprar todos os cavalos aptos a ir para a Europa continental e Joey é vendido. Sem desistir de Joey, Albert vai atrás, para tentar reaver seu amado animal.

A estória é muito simples e apenas nos fala sobre o poder do amor de um menino por seu animal de estimação. Já vimos algo semelhante umas quinhentas vezes em filmes com a Lassie. Assim, o que interessa mesmo é a montagem da peça. Para começar, o palco é quase um círculo, com a platéia o redor. Os corredores que chegam ao palco atravessam a platéia e são usados como parte integrante da encenação, criando um ar de proximidade e identidade com os personagens. O cenário é simplíssimo, montado pelos próprios atores, sem interrupção do andamento da peça, de maneira muito orgânica. O único uso de tecnologia é um telão belamente recortado, estacionado acima do palco, em que desenhos à lápis se formam com o objetivo de localizar a ação no tempo e no espaço.

Esse minimalismo na apresentação tem uma razão, que é dar atenção às verdadeiras estrelas da peça: os cavalos Joey e Topthorn, outro cavalo de guerra britânico. O design dos cavalos é muito interessante. No lugar de simplesmente tentarem reproduzir um cavalo realístico, os produtores partiram para uma visão mais artística, com o uso de armações no formato de cavalo mais a crina e rabo com pelos de verdade. Mas o toque de gênio é mesmo a forma de controle deles. Como eu disse, os cavalos não são animatrônicos, o que retiraria todo o charme da peça. Eles são, na verdade, marionetes controladas diretamente do palco, não da maneira tradicional como os Muppets de cima ou o Yoda, controlado por baixo.

Explico. Quando potro, Joey é controlado por três atores que andam ao lado do cavalo mexendo nas patas e, principalmente no rosto, dando uma enorme personalidade ao cavalinho. Quando adulto, Joey e também Topthorn são, cada um, controlados por dois atores "vestindo o cavalo" e outro somente para o rosto. Não há nenhuma tentativa de disfarçar os atores. Eles estão lá, vestindo roupas humanas de época, além de eles próprios fazerem os sons dos cavalos, inclusive relinchos.

Alguns torcerão o nariz para essa técnica mas, confiem em mim: o estranhamento dos primeiros minutos desaparece logo em seguida, tamanha é a sincronia dos atores e a personalidade de imprimem em Joey e Topthorn. Mais para frente, no segundo ato (são apenas dois), eu já havia esquecido dos atores.

Sobre o roteiro, enquanto no primeiro ato nós, espectadores, temos a novidade ao nosso favor, tudo é maravilhoso. Acompanhamos o crescimento de Joey, o primeiro uso do arado, os conflitos de Albert com a família e o amor pelo animal. No segundo ato, já durante a guerra, em que a novidade passou, a peça começa a ficar arrastada e sentimental demais. Até mesmo um soldado alemão é introduzido como um amante de cavalos. Isso sem contar com a obrigatória menininha em perigo. Não se enganem: o segundo ato também é tecnicamente perfeito mas ele peca pelo exagero ao retratar todos como mocinhos, quase que integralmente retirando o conflito da peça, algo que existia de maneira bem marcada no primeiro ato. Ainda que não possa contar o final para não estragar a surpresa de ninguém, eu diria que ele soa quase artificial de tão exageradamente piegas.

Mas vale o espetáculo. E ficou claro para mim porque Spielberg resolveu adaptar essa obra: o material é perfeito para ele. Só tenho receio que o filme acabe tendo o mesmo defeito da peça multiplicado por 10, considerando o poder que a fotografia "spielberguiana" tem de arrancar lágrimas do público.

Nota: 8 de 10

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