segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Crítica de filme: Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas (Festival do Rio 2010 - Parte 14)

Eu reconheço minha ignorância pois, antes desse filme ganhar a Palma de Ouro do Festival de Cannes desse ano, nunca tinha ouvido falar em seu diretor Apichatpong Weerasethakul, aparentemente conhecido diretor de cinema autoral tailandês. Com a relevância que Tio Boonmee tomou depois da vitória em Cannes, tratei de persegui-lo no Festival do Rio até que consegui ingresso para a única sessão do filme que poderia assistir.


No entanto, depois dos 113 minutos de projeção desse filme, eu me arrependi amargamente e preferia ter permanecido na ignorância total. Tio Boonmee é um filme existencialista em princípio sobre morte, vida e reencarnações, segundo crenças tailandesas. Isso é o que eu arrisco dizer sobre essa obra hermética de dificílimo entendimento por alguém não muito familiar com o cinema experimental desse diretor e com, creio, costumes tailandeses. Como sou um mero "metido a crítico", não tenho a menor pretensão em dizer que entendi sobre esse filme mais do que escrevi acima.

E olha que eu muito bem sei que alguns filmes são feitos com o objetivo de não serem compreendidos. Um de meus diretores favoritos, o espanhol Luis Buñuel, é o autor do completa e propositadamente ininteligível Um Cão Andaluz e, mesmo assim, eu adoro o curta-metragem. Mas Tio Boonmee, tenho para mim, não está na categoria de filmes feitos para não terem significado. Creio que o diretor, muito ao contrário, imprimiu uma vasta quantidade de significados à sua obra mas que ficou tão meticulosamente soterrada sobre camadas e mais camadas de uma linguagem muito própria e de pouco alcance para o público em geral, que o resultado é um filme que dificilmente pode deixar de ser classicado como chato e pretensioso por mim.

Há várias críticas luminosas sobre o filme mas todas as que li "acusam o golpe" e falam da dificuldade da linguagem de Weerasethaukul (prometo que é a última vez que escrevo o nome dele). Cannes tem uma compreensível  e tradicional tendência de premiar filmes mais autorais e menos comerciais mas uma verificação da premiação dos últimos cinco anos revela que filmes  de compreensão limitada como Tio Boonmee têm ficado de fora: em 2009 o ganhador foi A Fita Branca; o de 2008 foi Entre os Muros da Escola; o de 2007 foi 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias; o de 2006 foi The Wind That Shakes the Barley e o de 2005 foi A Criança. Ótimos filmes mas com um mínimo de apelo internacional. Não estou dizendo que Cannes não deveria premiar filmes como Tio Boonmee, mas apenas que o festival vai se tornar algo de nicho, cada vez com menos importância, se fizer isso muitas. Afinal, como vender o filme tailandês?

Uma breve explicação da trama vai deixar a razão da minha pergunta ainda mais clara. 

Tio Boonmee sofre de insuficiência renal e está morrendo. Ele vai para sua fazenda de tamarindo e de abelhas para ser tratado e é acompanhado de sua cunhada e de seu sobrinho, ambos da cidade grande. Lá, em diálogos que são dificílimos de serem escutados pois todos falam muito baixo, eles recebem a visita do fantasma da esposa de Boonmee. Em seguida, em cena bem assustadora, um macaco do tamanho de um homem e com olhos vermelhos demoníacos, aproxima-se da mesa e apresenta-se como sendo o filho de Boonmee depois de uma transformação que se deu por que casou com uma macaca fantasma da floresta. Vale o parênteses aqui: a fantasia e maquiagem de macaca lembraram-me imediatamente a "qualidade" dos monstros humanóides da série original de Jornada nas Estrelas. Fecha parênteses.

Depois disso e de várias outras cenas sem muita conexão imediata (ou mesmo distante, eu diria, novamente em minha santa ignorância), temos o que acho ser um flashback de uma das tais vidas passadas de Boonmee (lembram-se do título?) em que ele aparentemente era uma princesa sendo carregada por escravos em uma liteira em plena selva. A princesa, porém, tem o rosto deformado e deseja muito conhecer o amor. Em uma parada, ela se senta à beira de um lago com um cachoeira e, em um reflexo na água, vê uma bela jovem. Em seguida, ela conversa com um peixe (sim, conversa) que se apresenta como o responsável pelo reflexo e que começa a dizer o quanto ela é bela. Ato contínuo, a princesa entra no lago, aos poucos jogando suas jóias na água e começa a boiar e o peixe a literalmente fazer amor com ela. Essa longuíssima cena (deve ter uns 20 a 25 minutos) acaba como se ela nunca tivesse acontecido e estamos de volta na fazenda de Boonmee e sua turma, pois eles começarão uma jornada caverna a dentro, certamente simbolizando a morte dele. A cena da caverna é outra enormemente longa e arrastada.

Deu para entender minha pergunta? Como é possível vender um filme desse para uma platéia mais ampla do que tailandeses espiritualizados e críticos cabeça?

Esse filme literalmente testou minha paciência e quase fui vencido por aquele diabinho no ombro que insistentemente me dizia para sair do cinema. Mas fiquei até o final e, principalmente, sem dormir, mas não posso dizer o mesmo de pelo menos metade da platéia. A metade que ficou no cinema - e acordada - quando acabou o filme ficou completamente em silêncio, demonstrando, assim como eu, total estupefação. Se tivessem entendido a mensagem do diretor, como desesperadamente tentei entender, ou se tivessem gostado, teriam aplaudido muito pois, no Festival do Rio, a platéia é muito atuante. 

Na saída do cinema, todo mundo permanecia em silêncio. Eu fiquei quieto pensando em como fazer para ter meus 113 minutos de vida de volta mas sei que nunca terei essa chance, nem que eu reencarne como um macaco fantasma...

Mais sobre o filme: IMDB e Rotten Tomatoes.

Nota: 1 de 10

7 comentários:

  1. Concordo plenamente com sua análise. O filme é incompreensível, chato e como vc tive vários ímpetos de levantar-me e ir embora, mas aguardei algo de novo acontecer. Foi o pior filme exibido no Festival do Rio.

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  2. Maria Christina, é bom saber que não estou sozinho. No entanto, como disse em minha crítica, tenho certeza que o diretor imprimiu muitos significados à todas as cenas. O que, no entanto, resultou, foi um filme vagaroso demais e muito blindado a qualquer tentativa normal de compreensão. Mas tenho certeza que teve muita gente que genuinamente gostou e não que gostou apenas por que é um "filme cabeça".

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  3. Mto obrigado por sua critica Ritter, eu estava me sentindo um completo ignorante e idiota por ler otimas críticas (sem excessão) e ter achado o filme rídiculo e pretencioso.
    Realmente da sono, o filme é completamente lento, o mais lento que já vi e com cenas completamente sem nexo.
    Pior filme cabeça que já assisti.
    Ahh e se tiver uma explicação lógica para o final por favor nos conte (mesmo sendo spoiler)

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  4. Acabei de sair do cinema. Fiquei inconformada com o filme. Foi o pior filme que já assisti. No cinema, tinha muitas pessoas saindo no meio do filme mas, fiquei até o final, eu estava achando que o filme iria me surpreender em alguma cena. Não recomendo!!! Como fiquei inconformada, vim olhar na internet as opiniões das pessoas que já assistiram esse filme, realmente, conclui que muitas pessoas tiveram a mesma opinião que a minha. Realmente, perdi meu tempo!

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Curioso como esse filme não está sendo bem recebido pelo público, pelo menos o q tenho encontrado comentando em sites de críticos, profissionais ou não. Esse filme é lindo e merece ser revisitado por aqueles q amam, conhecem de cinema, mas não compreenderam a beleza por trás de cada cena. O Marcelo Hessel, q é um crítico q não respeito por diversos motivos, por incrível q pareça escreveu exatamente o q o filme me passou. Recomendo a quem não gostou dar uma olhada lá no Omelete. O mais importante pra curtir esse filme, na minha opinião, é contemplar cada cena, sem esperar q aquilo faça sentido imediatamente. O passar do tempo no filme é muito importante e não é chato, de forma alguma. Bom, pelo menos pra mim. :)

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  7. Então fique longe dos filmes do Alain Resnais e Alexandr Sokurov..

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Pensem antes de escrever para escreverem algo com um mínimo de inteligência. Quando vocês escrevem idiotices, eu apenas me divirto e lembro de Mark Twain, que sabiamente disse "Devemos ser gratos aos idiotas. Sem eles, o resto de nós não seria bem sucedido."