quinta-feira, 1 de março de 2012

Crítica de filme: Drive

Drive tem potencial para polarizar seus espectadores. Para começar, ele foi vendido como filme de perseguição automobilística e isso ele não é. Assim, aumenta as chances de muitos ficarem frustrados. Sim, tem perseguição mas não é da maneira como se imagina normalmente. Além disso, Drive é um filme, digamos, lento. Tem seu ritmo próprio, com certeza, mas é lento, o que vai irritar muito a grande maioria do público atual que exige ação a cada cinco minutos já que cenas plásticas e diálogos longos são, pelo visto, insuportáveis no mundo frenético em que vivemos. Por outro lado, aqueles que gostam de filmes cheios de estilo, apreciam cenas laboriosas e lentas e, ainda por cima, gostam de filmes cujas "aparências enganam", adorarão esse filme.

Eu fiquei no segundo grupo, devo confessar. Quando sentei no cinema para ver Drive (tem meses isso), tinha a convicção que veria uma espécie de Velozes e Furiosos dirigido por um dinamarquês (Nicolas Winding Refn) e estrelando o cara "quente" do momento, Ryan Gosling. Mas, para minha grande - e grata - surpresa, a cena inicial me deixou extasiado. Vemos Gosling, o motorista sem nome, sentado em um carro, com um palito na boca e uma narração em off, com sua voz, revela as regras para sua contratação: ele não pega em armas e, se em 5 minutos os ladrões (seus clientes) estiverem dentro do carro, ele vai até o fim na fuga; caso contrário ele os larga ali mesmo. 

Segue, então, a cena de perseguição mais surreal que já vi: Gosling apenas dirige, em velocidade normal, silenciosamente, como se estivesse levando uns amigos para um restaurante. Ele ouve a frequência da polícia e sabe exatamente para onde ir e o que fazer. E aí veio aquela constatação do óbvio ululante em minha cabeça: realmente, não faz sentido nenhum o cara sair a 200 por hora depois de um assalto pois isso só serve para chamar atenção da polícia. Posso dizer que, depois desse momento, meus olhos ficaram vidrados na tela.

E a razão da vidração não foi a originalidade da "perseguição" de abertura mas sim a comparação imediata que fiz: o Motorista pode ser visto como a versão atualizada do Homem Sem Nome vivido por Clint Eastwood na famosa trilogia de faroeste espaguete de Sergio Leone. Aliás, o filme todo faz referência ao estilo Leone de dirigir pois tudo é muito lento mas cheio de significado. A violência existe mas está ali servindo a um propósito e não necessariamente ela acontece diante da câmera. Os personagens são meio que estereótipos, servindo a um propósito maior, que é narrar, com generosas doses de estilo, uma aventura empolgante. Troque o poncho de Eastwood pela casaca brega meio brilhante com um enorme escorpião atrás do Motorista e você entenderá o que digo. 

A trama é muito simples. O Motorista é motorista de fugas à noite e dublê automobilístico para filmes de dia. Ele também trabalha em uma oficina cujo dono, Shannon (o ótimo Bryan Cranston), é fonte de seus trabalhos noturnos. Ele acaba se metendo com uma vizinha de porta que tem problemas maritais (Irene, vivida por Carey Mulligan) e, a partir daí, o caldo vai engrossando. Contar mais estragaria a diversão mas basta dizer que o filme ainda conta com a voluptuosa Christina Hendricks no papel de Blanche, o divertido mas sinistro Albert Brooks no papel de Bernie Rose e o excelente Ron Perlman como Nino. 

A cadência do filme, como disse, é "Leoniana", ou seja, tudo vai se encaixando mas os acontecimentos são lentos e com resoluções que não são exatamente aquelas que esperamos (vide a cena do elevador, por exemplo). Muitos torcerão o nariz para isso mas, aqueles que gostarem, acharão o filme maravilhoso. Aliás, muitos efetivamente acharam o filme maravilhoso a tal ponto que, em um daqueles momentos raros no cinema, Drive tornou-se um filme cult instantâneo. É normal que isso aconteça ao longo de alguns anos mas, assim, de uma hora para outra, é, no mínimo, um fenômeno interessante. Sim, o filme é carregado de cenas exageradamente estilosas que muitos afirmarão serem razões suficientes para dispensar o filme ou dizer que é estilo sobre substância. Eu já acho que não. Drive também tem muita substância mas seu estilo talvez "afetado" serve à trama perfeitamente, assim como a cena da mosca no começo de Era Uma Vez no Oeste funciona para dar o tom do que veremos mais adiante no clássico de Leone.

Ryan Gosling está muito bem nesse papel caladão e soturno. Muitos têm elogiado todas as atuações dele mas eu ainda estou com um pé atrás. Parece-me - mas pode ser só impressão minha - que ele é um ator de uma nota só, com papéis talvez muito semelhantes em seus filmes, mesmo que em uma primeira impressão não sejam. Mas, de novo, ele está perfeito em Drive. Ainda preciso ver mais filmes dele para ver se Gosling é realmente tudo isso que dizem.

Finalmente, outro ponto que merece destaque nesse filme é a trilha sonora (aliás, outra "coincidência" com os filmes de Leone que sempre dependeram fortemente das trilhas brilhantes de Ennio Morricone). Cliff Martines compôs músicas eletrizantes mas também com cadência própria e, principalmente, com um toque um tanto retrô, que combinam perfeitamente com a atmosfera e fotografia do filme. É a perfeita "cereja no bolo", tornando Drive uma verdadeira experiência audiovisual completa. 

Drive concorreu a um Oscar em 2012 mas não levou: Melhor Edição de Som.    

Mais sobre o filme: IMDB, Rotten Tomatoes, Box Office Mojo e Filmow

Nota: 10 de 10

8 comentários:

  1. iesumea igneleatfinalmente! estava esperando sua review do Drive, desde que vc assistiu aqui em nova yorque!

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  2. Em um filme cuja embalagem dá indicações de ser mais uma obra de ação desenfreada, à la Velozes e Furiosos e afins, Drive se revela distinto - e talvez por isso instantaneamente cultuado - justamente por se concentrar, essencialmente, no conflito interno de seu protagonista. As músicas, com você bem apontou (e como eu observei em minha resenha sobre o filme) não só empolgam, como comunica, juntamente com a fotografia e os demais elementos de cena, toda a linha mestra de seu tema. Muito bom, seu texto!

    Escrevi sobre o filme no Lumi7: http://www.lumi7.com.br/2012/03/drive.html

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  3. Depois de ter visto taxi driver, não tem como gostar de um filme desses, muito fraco e com um protagonista que não disse para que veio... Pode até ter boa intenção em tentar tratar o protagonista em conflito interno, mas não tem profundidade, passa por cenas que se tornam enfadonhas como por exemplo a cena do elevador... realmente ali pisaram no tomate tranquilamente... sem sentido algum.

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  4. @ Anônimo

    Obrigado por ler meu blog. No entanto, você poderia falar mais sobre o paralelo que você traçou entre Taxi Driver e Drive? Particularmente, além do fato dos dois filmes terem como personagem principal um motorista, eles não têm nenhuma relação. Assim, não consegui ver lógica alguma na comparação.

    Se você estivesse comparando com Bullit ou com Três Homens em Conflito, ok, faria total sentido. Mas com Taxi Driver?

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  5. Vamos se mexer ai meu filho. Já faz tempo que não tem uma crítica nova no seu blog.

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  6. Nem o comprovado talento de Ryan Gosling salva o filme. Seu personagem a princípio parece bonzinho e mata pessoas como se mata mosquitos, sem demonstrar nenhuma emoção. Filme lento e cansativo. A atriz que deveria fazer par romântico é insossa, o romance não acontece e o final é previsível. Detestei.

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  7. Ok mas acho que lentidão faz parte do estilo do filme, uma clara homenagem a westerns-spaghetti, todos muito lentos e com mocinhos matando bandidos como se mata mosquitos.

    Obrigado por prestigiar meu blog!

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  8. Hoje o filme estreou no Telecine Premium e tive a oportunidade de vê-lo novamente.
    Bom, eu amei o filme. Achei realmente muito interessante a forma de mostrar o personagem (no começo como bom moço e depois como um assassino aparentemente sem sentimentos) e também do ritmo. Nos primeiros 5 minutos do filme eu pensei "que chatice". Depois disso, fiquei ligada! E acho que esse ritmo "meio lento" é que te faz ficar no suspense pra saber o que ele vai fazer em seguida.
    Discordo dos comentários acima que acharam sem propósito a cena do elevador. Eu achei uma das cenas mais importantes do filme!! Ali ele mostra a dubiedade da sua natureza, ora romântico e "bonzinho", ora violento e impulsivo. Acho que naquele momento o motorista percebeu a que veio. Ele sabia que tinha que matar o cara para proteger a si e à Irene, mas ao mesmo tempo não conseguiu esperar para demonstrar seus sentimentos por ela.
    Outra coisa que me chamou a atenção foi a fuga do clichê romântico! Quando vi o marido da Irene, pensei "puts, eles vão ser inimigos". Que nada! Fiquei surpreendida em ver que ele iria ajudar o Gabriel a roubar a loja. Pra mim, essa sacada foi genial, fugindo totalmente do lugar comum "o urso que briga com o marido pela garota"... hehehheh...
    Enfim, adorei o filme e realmente foi um dos melhores que vi em 2012. Gosto muito do Ryan e torço para que ele pegue tão bons papéis quanto esse e o de "Tudo pelo poder".
    Gostei do blog! Abraço!

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Pensem antes de escrever para escreverem algo com um mínimo de inteligência. Quando vocês escrevem idiotices, eu apenas me divirto e lembro de Mark Twain, que sabiamente disse "Devemos ser gratos aos idiotas. Sem eles, o resto de nós não seria bem sucedido."