Crítica de filme: Melancholia (Melancolia)

Lars von Trier lançou Melancolia em Cannes fazendo o que faz de melhor: escândalo. Depois de desnecessárias e pouco hábeis menções ao nazismo, foi expulso do festival. É uma pena pois von Trier é um grande diretor, ainda que recoberto em camadas e mais camadas de problemas, como sua depressão profunda, seu medo de voar, seu antiamericanismo bobo e, aparentemente, seu nazismo. Sobre esse último ponto, espero profundamente que tenha sido só um diretor meio amalucado falando besteiras, como quando lançou Anticristo dizendo que era, sem dúvida, o melhor diretor do mundo.


No entanto, nada disso detrai de sua obra. Temos que saber separar o homem de sua criação. Afinal, se conseguimos apreciar a arte de Leni Riefenstahl apesar de suas crenças ou a obra de Roman Polanski apesar de seu passado, também é possível mergulhar nos filmes de Lars von Trier apesar de suas sandices.

E Melancolia é uma grande obra. Trata-se de um filme intimista sobre o fim do mundo. Quando acabei de ver, por incrível que pareça, ainda absorvendo o que tinha visto, a primeira lembrança que me veio à mente foi o filme Sinais, de M. Night Shyamalan. Vejam, não estou, aqui, querendo comparar diretores (por favor!), apenas estórias. Sinais tratava de uma invasão extraterrestre vista sob o ponto de vista de um fazendeiro, sem jamais mostrar - a não ser em imagens de televisão - o que estava acontecendo no "mundo exterior". Melancolia é o nome de um planeta que aparentemente está em curso de colisão com a Terra e Lars von Trier trata desse assunto apocalíptico unicamente sob o ponto de vista de uma família em um castelo no interior. Obviamente, as semelhanças entre Sinais e Melancolia acabam por aí.

O filme funciona em dois níveis. O nível mais próximo da superfície é o que acabei de descrever acima. Um filme mais intimista de destruição da Terra que funciona muito bem. Mas isso é apenas metade da estória. A estória toda mergulha lá no fundo da mente humana e, por isso, é muito mais interessante.

Melancolia abre com uma espécie de montagem em câmera lenta extrema de várias cenas futuras, inclusive a colisão de Melancolia com a Terra, ao som do prólogo de Tristão e Isolda, de Richard Wagner (daí a discussão sobre Hitler e nazismo na entrevista de von Trier em Cannes). A música funciona maravilhosamente bem com a montagem de 10 minutos que vemos passar vagarosamente pela nossa frente, com imagens de belas até assustadoras. É uma bonita abertura, sem dúvida, mas nada comparável à abertura do mesmo diretor em seu filme anterior, Anticristo, talvez uma das melhores já feitas no cinema.

Em seguida, o diretor "vai para o passado" e vemos o primeiro capítulo do filme, chamado Justine, focado na festa de casamento dela (Kirsten Dunst) com Michael (Alexander Skarsgard). No começo, vemos a limusine transportando com grande dificuldade os noivos até o local da festa. Vemos os próprios noivos felizes, com grandes sorrisos no rosto. Atrasados, ele chegam ofegantes e são recebidos de maneira pouco simpática por John (Kiefer Sutherland), cunhado de Justine, dono do castelo onde está ocorrendo a festa e do dinheiro que a está pagando e Claire (Charlotte Gainsbourg), irmã de Justine.

Com o começo das festividades, começamos a ver a atitude de Justine mudar. Primeiro, ela quer ficar sozinha, depois seu semblante entristecido já não é mais passível de ser escondido. Notamos que sua mãe, Gaby (Charlotte Rampling) e seu pai Dexter (John Hurt) têm alguns problemas próprios. Vemos Claire tentando controlar um desastre iminente, como um último raio de sanidade no meio de um poço sem fundo de mentes perturbadas, especialmente a de Justine. Notamos, por fim, que esse problema já era presente e a festa foi uma tentativa de reduzir o problema mas, pelo visto, acaba agravando-o.

Nessa parte, von Trier não deixa Melancolia (o planeta) influenciar a narrativa, ainda que ele esteja presente nas observações astronômicas iniciais de Justine. Ninguém sabe que há um planeta em possível rota de colisão. No entanto, a melancolia (o sentimento) é onipresente. O diretor faz uma metáfora bem óbvia com o nome do planeta mas isso não diminui a força do filme.

Na segunda parte, Melancolia agora já é fato. O planeta está se aproximando da Terra e alguns defendem que é o fim do mundo e outros, como John (que ou é astrônomo profissional ou amador, isso não fica claro), acham apenas que Melancolia passará "raspando" pela Terra, proporcionando um espetáculo glorioso. No entanto, apenas vemos o mundo pelo olhos de Claire (título do segundo capítulo) que, juntamente com seu filho Leo (Cameron Spurr), recebe sua irmã Justine em profunda depressão na mansão de Jack, . É a família pronta para receber Melancolia, da mesma maneira que, há muitos anos, nós fizemos festas e mais festas pela passagem do cometa Halley.

Mas Claire, agora, está perdendo a compostura, seu auto-controle. Ela teme que estejam todos diante do fim do mundo, apesar das palavras tranquilizadoras de John. Com a proximidade do planeta, Justine, por sua vez, parece fazer as pazes sobre o que é e o que sente, meio que começando a notar que todo seu sofrimento, na verdade, não foi à toa. A cada passo que Melancolia dá em direção à Terra, Justine sai de seu inferno anterior e Claire caminha para o abismo. Aqui, a metáfora do fim do mundo como sendo o que Claire quer evitar que aconteça com sua mente, considerando o histórico de sua família (mãe e irmã), é fascinante.

E como explicar o final? Bom, para começar ele tem que ser visto e sentido. Não pretendo estragá-lo para ninguém aqui. Devo dizer que a música e os efeitos sonoros, bem como as arrebatadoras imagens formam uma experiência única, que não pode ser perdida de jeito algum. E, para mim, aconteceu algo que não esperava de jeito nenhum em um filme de Lars von Trier: vi uma mensagem positiva, uma mensagem na linha de que a família é importante, tem que ser respeitada e traz o alento necessário para que seja possível vencer as mazelas. Não sei se foi exatamente isso que o diretor quis passar para sua audiência mas essa mensagem visual ficou gravada tão fortemente em minha mente que demorei um pouco para acreditar que tinha acabado de ver um filme de von Trier.

Sobre as atuações, tanto Kirsten Dunst como Charlotte Gainsbourg dão um show. As mudanças no humor de Dunst são muito convincentes e Gainsbourg consegue fazer a mesma coisa, especialmente na segunda parte. E olha que para eu elogiar Kirsten Dunst é complicado pois tenho uma grande implicância com a atriz. A única atuação fora do lugar foi a de Kiefer Sutherland. Não que tivesse algo de errado com o ator mas é que sua imagem de Jack Bauer é tão forte que não consegui separar o ator do personagem que o consagrou. Isso me distraiu um pouco mas nada que detraísse do filme.

Mais sobre o filme: IMDB, Rotten Tomatoes, Box Office Mojo e Filmow.

Nota: 9 de 10