sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Crítica de filme: Tinker Tailor Soldier Spy (O Espião que Sabia Demais)

A sequência dos créditos desse filme já entrega seu tom: Control (John Hurt), chefe do Circus, divisão de elite da espionagem britânica, reúne-se com Jim Prideaux (Mark Strong), um agente de campo e passa-lhe, calmamente, uma missão em Budapeste. Em seguida, o filme corta para Prideaux andando em direção ao seu encontro em um café dentro de uma galeria na cidade húngara. Quando ele se senta e começa a conversar com o contato, a câmera vai mostrando o que Prideaux está vendo: o garçom nervoso, uma mulher com um filho de colo, uma senhora na janela, um senhor se aproximando e por aí vai. Ficamos nisso por alguns minutos até que Prideaux pede nervosamente licença para sair e acaba baleado nas costas. Corta para Control novamente que está em sua sala de reunião com sua equipe imediata e diz que ele e Smiley (Gary Oldman), seu braço direito, estão se aposentando claramente em razão do fiasco da operação em Budapeste. Em seguida, aprendemos - também vagarosamente - sobre o dia-a-dia de Smiley aposentado até que o filme, então, realmente começa.

Hoje em dia, quando ouvimos falar em filmes de espião, normalmente imaginamos algo muito cheio de ação, sexo e tiroteios. Essa é a herança nefasta da chamada modernidade, que não aceita mais filmes pesados em diálogo e lentos em movimentação. É uma pena. Na sessão de cinema que estava, dos poucos assistindo, pelo menos uns 4 casais foram embora depois de 40 minutos. Como estamos impacientes hoje, não é mesmo?

Baseado em obra do britânico John Le Carré de mesmo nome lançada em 1974, O Espião que Sabia Demais redefiniu o gênero "espionagem". Já em 1979, o livro foi transformado em uma minissérie de televisão, estrelando Alec Guinness no papel de George Smiley. O livro, na verdade, é o primeiro de uma trilogia conhecida como a Trilogia Karla. Como é comum nas obras de Le Carré (vide A Casa da Rússia, O Jardineiro Fiel e O Espião que Veio do Frio, só para ficar com as que foram transformadas em filmes) há muita densidade de informação, incluindo muito jargão específico de espionagem e uma enorme quantidade de personagens.

O Espião que Sabia Demais não foge à regra. Além de Control e Smiley no primeiro escalão, temos Percy Alleline (Toby Jones), Bill Haydon (Colin Firth), Roy Bland (Cyarán Hinds) e Toby Esterhase (David Dencik) no segundo escalão e Peter Guillam (Benedict Cumberbatch) no terceiro. Isso sem contar com o já citado agente de campo Prideaux e outro, na verdade o catalisador da trama, Ricki Tarr (Tom Hardy).

A necessidade de abordar quase que de maneira igualitária todos os personagens "abaixo" de Smiley, acaba tornando o filme um tanto quanto confuso, algo que é suavizado pelas acertadas escolhas de atores conhecidos para os papéis. Assim, pelo menos, podemos saber que um não é outro pois Colin Firth e Tom Hardy são bem reconhecíveis, assim como os demais. Mas é aí que a lentidão do filme se agrava e eu entendo o descontentamento de muitos com a velocidade do filme. No entanto, O Espião que Sabia Demais está longe de ser ruim, bem longe.

Primeiro, temos a estória em si, que é excelente. Smiley é trazido de volta da aposentadoria para descobrir quem é o agente russo infiltrado na inteligência britânica (o filme se passa em 1973), conforme a fonte do foragido Ricki Tarr (prestem atenção nos trechos do filme dedicados a esse personagem). A trama é, talvez, uma das melhores personificações da paranoia estabelecida pela Guerra Fria. Todos desconfiam de todos em relação a tudo.

Segundo, as atuações são brilhantes. Gary Oldman é um agente veterano, que já deve ter visto muita coisa ruim na vida. Ele não faz muito mais do que conversar e indagar mas cada palavra que ele diz esconde significados. Cada palavra que não diz esconde mais ainda. Outro que merece destaque (para variar) é Colin Firth. Um grande ator em um papel de muita sutileza, algo que ele sabe fazer como ninguém. O pouco que John Hurt aparece é ótimo, com o veterano ator mastigando a tela (bem diferente do caso de Imortais) mesmo quando contracena com Oldman. E Tom Hardy (que fará Bane em Batman 3) está quase irreconhecível e sensacional. Benedict Cumberbatch consegue se redimir do papel afetado em Cavalo de Guerra e nos brinda com uma atuação que até lembra seu excelente Sherlock.

Terceiro, a direção de Tomas Alfredson (do excelente Deixe Ela Entrar) é segura e consegue, ainda que com certa dificuldade diante do complicado roteiro de Bridget O'Connor e Peter Straughan, nos brindar com uma bela - mas triste - fotografia, uma espécie de antítese dos filmes de espionagem de hoje. Em uma cena impressionante em um aeroporto pequeno, uma das poucas com cores vibrantes, vemos Smiley conversando com Toby sendo seguidos primeiro por um carro e, depois por um avião. O efeito ótico dessa cena é deslumbrante, com uma câmera parada (ou com muito sutis movimentos) deixando os dois se aproximarem juntamente com os veículos. É de tirar o chapéu.

Não fosse a quantidade de atores, a necessidade de dar atenção a todos igualmente (ou quase isso) e a complexidade da trama, o filme seria perfeito. Com esses problemas - que nem são tão graves assim - ele fica "apenas" na categoria de um muito competente filme de espionagem.

Mais sobre o filme: IMDB, Rotten Tomatoes, Box Office Mojo e Filmow.

Nota: 8,5

Um comentário:

  1. Obrigado pelos elogios e por acompanhar meu blog.

    Achei sei comentário perfeito. Vivemos em um mundo frenético e as pessoas passaram a exigir o mesmo frenesi do cinema e da televisão. Compare filmes clássicos "de ação" do passado com os de hoje em dia. Bullit, por exemplo, com o saudoso Steve McQueen, é considerado quase que de forma unânime como um dos melhores do gênero. No entanto, se comparado com os filmes atuais, ele parece um filme sobre "pintura secando".

    A impaciência das pessoas é tanta que elas não aceitam mais diálogos para se criar profundidade nos personagens. O tempo de atenção do pessoal em geral é de 1 ou 2 minutos. Se esse tempo passa sem alguma explosão, tiroteio, luta ou perseguição, eles começam a bufar.

    E Hollywood, percebendo isso, acaba por "adaptar" seus filmes ao gosto popular.

    É claro que estou generalizando mas, quando testemunho 3 ou 4 casais abandonando o cinema em filmes como O Espião que Sabia Demais, fico muito angustiado.

    Sobre Meia-Noite em Paris, vou confessar algo: tenho uma séria implicância com Woody Allen, mesmo quando ele só está atrás das câmeras. Mas verei em breve esse filme pois ele concorre ao Oscar e eu costumo ver todos os concorrentes (em todas as categorias) antes da premiação. Assim, espere meus comentários em breve!

    Abraço,
    Ritter.

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Pensem antes de escrever para escreverem algo com um mínimo de inteligência. Quando vocês escrevem idiotices, eu apenas me divirto e lembro de Mark Twain, que sabiamente disse "Devemos ser gratos aos idiotas. Sem eles, o resto de nós não seria bem sucedido."